sábado, 21 de fevereiro de 2009

Capítulo V

Muito distante daquelas montanhas geladas de Vahour e daquele clima nebulosamente congelante, no Continente de Huan, alguém vagava com passos lerdos através de um vasto deserto. O suor escorria insistentemente de seu rosto queimado pelo sol abrasador, enquanto seus olhos vislumbravam paisagens feitas de imensidões de dunas de areias, formações rochosas magníficas, ruínas abandonadas e oásis esquecidos. E apesar daquele lugar todo parecer estar derretendo há muito tempo com aquele calor fervente, sem dúvida nenhuma o Deserto da Lamentação era um imenso santuário de riquezas esquecidas. Em muitos pontos podia-se esbarrar em construções seculares arruinadas e quase sepultadas pelas tempestades de areia, que sempre assolavam a região. Entretanto, o deserto, mesmo mostrando-se uma paisagem fascinante, também trazia em sua natureza algo de traiçoeiro e perigoso. Muitos viajantes desprevenidos haviam perdidos suas vidas ao tentar desafiar aquela vastidão escaldante. E antes de deixar uma das cidades mais importantes daquele condado para trás, Vohldrik ouvira muitas histórias amaldiçoadas contadas por Cox, agente oficial que administra todos os armazéns e responsável pelo sistema de estocagem de mercadorias daquela cidade. Muitas dessas histórias falavam também sobre pessoas que desapareciam misteriosamente sem deixar qualquer pista que pudesse explicar seus sumiços. E muitos desses desaparecimentos eram semelhantes aos outros casos relatados nos outros continentes de Nevareth, inclusive em Midreth, sua terra natal. Vohldrik sempre pensava em tudo isso que estava acontecendo pelo mundo, e imaginava que essas ocorrências poderiam ser o início de algo muito maior que estava por vir em um futuro não muito distante. Atingiu o topo de uma duna, e então viu toda uma planície desértica diante de si, uma paisagem ampla, silenciosa, e perturbadoramente quente. Atendendo um dos conselhos do agente Cox, havia deixado alguns de seus pertences bem guardados no armazém da cidade, e iniciou aquela jornada apenas com o que era necessário. Sua armadura era, ao mesmo tempo, leve e resistente, e Vohldrik usava uma capa feita de couro das cobras gigantes existentes naquela região, que o protegia perfeitamente durante o dia contra os raios solares, e o aquecia durante a noite, quando a temperatura no deserto caía absurdamente, chegando a assemelhar-se às temperaturas das Montanhas geladas de Tundra Infame, o que não o incomodava muito, já que viera de daquelas terras cobertas de gelo e neve. Carregava sua montante e alguma comida numa bolsa de couro presa à sua cintura.
Apesar de sua estatura mediana e da pouca idade, Vohldrik havia conquistado o respeito e admiração de muitos na região onde nascera e crescera pela determinação e empenho com que vinha estudando as técnicas da Força Arcana, tornando-se um guerreiro incrível em tão pouco tempo e tão jovem ainda. Sua força física era desproporcional para seu tamanho e sua idade, e isso havia se tornado um grande mistério, sendo até mesmo motivo de pesquisas por parte de valorosos estudiosos das técnicas da Força Arcana nas terras de Tundra Infame.
Alguns dias de caminhada no deserto haviam deixado sua pele meio bronzeada, e Vohldrik pensava já estar quase perto de seu destino. E pelo visto, Cox havia previsto com exatidão o tempo que demoraria para ele chegar aonde queria. O sol já havia passado do ponto mais alto do céu e caminhava para o seu entardecer, quando Vohldrik, depois de descer por uma estrada que penetrava por um Vale, avistou uma edificação imponente esculpida e encravada ao pé de uma imponente formação rochosa. Daquele ponto, tinha-se uma magnífica vista de um enorme canyon, cujas passagens escondidas vistas de longe pareciam ser muito traiçoeiras e perigosas. Ficou um pouco aliviado de o seu destino final ser exatamente ali, em frente aquela construção cheia de arabescos arquitetônicos. A entrada mostrava enormes abóbadas no topo sustentadas por imponentes pilares. Ao lado desses pilares, enormes pedras esculpidas em formas arredondadas geometricamente em cones que apontavam para o céu azul. Vohldrik parou por um momento, observando toda aquela imponência. “Então é aqui a morada do Capitão Mark”, pensou consigo, enquanto tomava coragem para entrar.
Vohldrik conheceu o Capitão Mark pessoalmente apenas uma vez, quando o mesmo fez uma visita oficial em Tundra Infame, quando liderou uma comissão de investigação para colher informações a respeito dos desaparecimentos ocorridos por lá. Mas Vohldrik não chegou a conversar com ele, apenas o vira entrar na residência do Oficial Henkoff. Não fazia idéia de como se apresentaria, nem tampouco como eram as formalidades utilizadas diante de uma pessoa como o Capitão Mark, mas ele não se incomodava muito com isso. Para falar a verdade, ele nunca se incomodava muito com formalidades, era sempre espontâneo e sincero, e não escolhia muito aquilo que iria dizer. Ele era diferente de seu irmão mais velho, Mehldrik, que desde que seus pais desapareceram, havia se tornado mais reservado, mais fechado, uma pessoa pouco sociável e de poucas palavras. Vohldrik havia percebido essa mudança logo no início, pois quando crianças, eles eram sempre alegres, brincalhões e comunicativos com todos ao redor, principalmente com seus pais. Seu irmão, porém, havia mudado seu comportamento e se tornado um garoto calado e pensativo. Vohldrik era muito criança e não entendia direito o que se passava ao seu redor, mas Mehldrik já tinha idade suficiente para saber sobre tudo aquilo que queriam esconder dele.
Enquanto penetrava naquele lugar pouco iluminado em seu interior, formado por corredores labirínticos e estreitos, Vohldrik se lembrava de seu irmão agora distante. Havia partido sem lhe dizer para onde ia e qual o motivo de sua viagem, e mesmo assim Mehldrik o abraçou com firmeza, desejando toda sorte do mundo em sua jornada rumo ao distante continente. Essas lembranças o confortavam naquele momento, assim como o confortaram por toda sua jornada até ali. Finalmente Vohldrik encontrou o final daqueles corredores, atingindo um saguão com suas silenciosas paredes de pedra, iluminado pela luz de enormes lampiões pendurados no teto em diferentes alturas por correntes. No chão havia um enorme círculo com uma série de desenhos dispostos em arranjos geométricos bem definidos, feitos de pequeninas pedras polidas em cores diversas, variando do salmão desbotado ao marrom cor de terra. Do outro lado havia um portal em arco. Empurrou aquelas portas, e deparou-se numa grande biblioteca. Havia livros por todos os lados, em estantes imensas que alcançavam o teto. Livros amontoados em diversos lugares, milhares deles, pergaminhos tomavam conta de mesas iluminadas por velas em candelabros. Vohldrik atravessava aquelas pilhas de livros e pergaminhos, até que ouviu sussurros vindo de uma mesa onde parecia haver mais livros e pergaminhos do que qualquer outro lugar daquela biblioteca. Havia alguém sentado numa imponente cadeira, e ao seu redor, mais velas acesas e candelabros. Não conseguia enxergar quem era, pois a cadeira estava de costas para ele, mas Vohldrik esperava que fosse o Capitão Mark. Quanto mais se aproximava, mais nitidamente ele conseguia ouvir o que a pessoa falava. Parecia realmente estar conversando consigo mesma.
- Não acredito... A estabilização do túnel parece estar demorando mais do que o previsto... Isso não pode estar acontecendo...
O jovem guerreiro realmente não estava entendendo nada do que a pessoa dizia. Chegou bem perto, e começou a visualizar a pessoa sentada, de longos cabelos brancos, assim como sua barba. Vestido numa espécie de túnica com detalhes geométricos desenhados nas bordas, o senhor estava debruçado em alguns pergaminhos. Então, ele parou de falar, e virou-se com um olhar ao mesmo tempo revelador e enigmático na direção de Vohldrik:
- Aí está você. Esperei bastante pela sua vinda. – disse o Capitão Mark com uma voz calma e mansa. Ah, não se incomode comigo, eu costumo falar sozinho e falar demais. É uma espécie de passatempo sem fim pra mim, que agora foi quebrado pela sua chegada.
- Você me esperava? O Agente Cox, por acaso, avisou você que eu viria até aqui? – perguntou Vohldrik, meu surpreso.
- Cox? Você conhece aquele “tratante”? – o Capitão levantou-se sem pressa, esboçando um leve sorriso quase escondido naquela imensa barba branca. – Não se preocupe. Cox não me avisou de sua vinda.
- Então você sabia que eu estava vindo?
- Meu jovem, não tenho muito que lhe contar, e algumas coisas que sei não é permitido contar.
- Eu me chamo Vohldrik, e vim aqui em busca de...
- Eu sei, eu sei. Você veio em busca de respostas e possíveis esclarecimentos a respeito dos desaparecimentos ocorridos por toda Nevareth.
Vohldrik estava meio atônito com aquela conversa, e com a maneira como o Capitão falava, como se já soubesse de todos os acontecimentos com certa antecedência.
- Eu sei que você deve estar se perguntando como eu realmente sei tudo isso. Saiba que, apesar de algumas vezes a gente considerar a possibilidade de se tratar de algum tipo de clarividência, tais conclusões reveladoras nada mais são do que prováveis exercícios da lógica e dedução baseados em fatos.
Vohldrik permaneceu calado, com um olhar quase hipnótico, atento ao que o Capitão Mark lhe dizia, buscando entender tudo aquilo que lhe parecia, a princípio, tão estranho.
- Não é mistério nenhum que quase todos por toda Nevareth estão buscando respostas para o que vem ocorrendo já há alguns anos. São fatos que até hoje estão sem quaisquer explicações plausíveis.
- Eu vim aqui realmente com esperanças de que o senhor pudesse me dar algum esclarecimento sobre esses desaparecimentos.
- A respeito dos desaparecidos, o que realmente até hoje se sabe é que enquanto eles estiverem vivos, não terão permissão para retornar. E de acordo com todas as informações que consegui reunir, presumo que o paradeiro dos desaparecidos tem uma relação direta com o estranho demônio.
- Que demônio? – questionou Vohldrik.
- Quem é ele? Sua identidade em breve será revelada. – O Capitão Mark foi breve em sua resposta. – Como eu havia lhe dito antes, meu jovem, algumas coisas não são permitidas serem reveladas.
- O Oficial Dunhike, de uma das principais cidades do condado daqui do Deserto da Lamentação, me explicou que os desaparecimentos estão afetando um grande número de pessoas e perturbando a rotina de todas as colônias.
- De fato, tudo isso vem desestabilizando nossas rotinas cada vez mais. Eu soube, da parte de Dunhike, que muitos jovens guerreiros iniciantes foram convocados a ajudar nas comissões militares de investigação, mas nada de concreto foi descoberto até o momento. Nem mesmo as buscas minuciosas nos covis dos monstros teve resultado satisfatório.
O Capitão Mark dirigiu-se até uma estante próxima e agarrou um pergaminho com cuidado, desenrolou sobre uma mesa e conferiu algumas informações contidas nele, na verdade anotações feitas por ele há algum tempo. Passava o dedo em cada linha escrita, e seus olhos percorriam as palavras com atenção extrema.
- Na verdade, o Mago Negro do Exército Mercenário, que desapareceu junto com as pessoas há algum tempo, tem nos provocado certa suspeita, mas nada pode ser feito, pois ele desapareceu sem deixar qualquer vestígio.
- O Exército Mercenário poderia estar envolvido nisso? – questionou Vohldrik.
- Alguns indícios levam a crer que sim, mas nada que possa ser realmente comprovado. – o Capitão Mark retornou à estante e pegou outro pergaminho, desenrolando-o em seguida sobre o outro já aberto na mesa. – Também colhi informações de do Oficial Schuteberk, de que os grupos enviados no Continente Pastur para investigar os covis dos troglos, dentro da Selva Vermelha, dizem ter visto um grupo de pagãos sempre presentes em muitos locais dos desaparecimentos. Esses pagãos ultimamente aumentaram muito dentro do continente. Mesmo que eles sejam colocados como suspeitos, sem evidências claras, não podemos tomar nenhuma medida drástica. Mesmo que as punições pudessem ser impostas, na verdade seria muito difícil aplicá-las, considerando que esses pagãos são um grupo muito fechado. Sendo assim, os casos permanecem em aberto sem nenhuma solução.
- É muito frustrante saber que nada podemos fazer. Saber que não podemos rever nossos familiares e nem ao menos descobrir o que ocorreu realmente com eles.
- Você também teve parentes desaparecidos, suponho.
- Sim. Meus pais sumiram quando eu e meu irmão ainda éramos crianças. Eu devia ter uns 6 anos, e meu irmão, 10. E mesmo depois de 11 anos, a gente ainda tem esperanças de que possamos saber o que aconteceu com eles, se eles ainda estão vivos em algum lugar.
- Assim como você e seu irmão, muitos alimentam a esperança em rever os parentes e amigos desaparecidos. Os familiares dos membros das equipes de resgate que desapareceram vão todos os dias ao posto do Oficial expressarem sua dor. Considerando que a situação é de aflição, a frustração é incomparável, sendo que não existe sequer uma pista concreta.
- Eu vim aqui na tentativa de encontrar novas respostas. Eu queria muito poder ter boas notícias para meu irmão, e fazê-lo alegrar-se novamente, fazer ele sorrir com boas novas. – Vohldrik fez uma pausa e lembrou-se que seu irmão conhecia o capitão – Meu irmão conhece você, e chegou até a conversar contigo.
O Capitão Mark permaneceu debruçado sobre os pergaminhos, mas ainda assim, levantou os olhos com um ar questionador em direção ao jovem guerreiro.
- Quem é o seu irmão?
- Mehldrik, afilhado do Oficial Henkoff, do condado de Tundra Infame. Henkoff também é meu padrinho.
O Capitão endireitou-se, fechando os pergaminhos.
- Mehldrik? Eu me recordo dele. Questionador, cético, não aceitou muito bem as explicações que lhe dei na época. Então você é afilhado do Oficial Henkoff. E parece também ser muito jovem para já ter se tornado um Guerreiro conhecedor das técnicas básicas da Força Arcana. – Mark caminhou lentamente em direção a Vohldrik, observando-o atentamente. – E mesmo assim, parece possuir uma força descomunal dentro de si, que ainda não se manifestou em toda sua plenitude. Sem dúvida, seu poder é fabuloso e você mesmo o desconhece ainda.
- Tudo o que aprendi até o momento, devo aos meus instrutores, e principalmente ao Instrutor O’Conner, um grande mestre e conhecedor profundo das técnicas da Força Arcana.
- E pelo visto, ele tem sido um ótimo mestre para seu jovem discípulo. Entretanto, esteja ciente de seu incrível futuro. A hora da estrela do destino, que definirá a sobrevivência de toda a Nevareth, é iminente. Você precisa despertar todas as suas habilidades como Guerreiro, se quiser seguir em frente com essa sua jornada de aprendizado. Você terá enormes responsabilidades pela frente, e muitos dependerão da força de sua espada para encontrarem a paz e a liberdade.
Vohldrik ficou absorto por aquelas palavras proferidas pelo Capitão Mark, deixando escapar de seu rosto uma leve expressão pensativa, como se tentando entender tudo o que aquele senhor de longas barbas brancas havia lhe dito. Foi quando um barulho, vindo da portas por onde havia passado há pouco, chamou a atenção do Capitão Mark, assim como a sua também. Alguém adentrava o recinto de maneira nervosa e um pouco ofegante.

2 comentários:

  1. Hum... cada vez estou mais envolvida!

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  2. hmm..... que será qeu invadio a moradia do capitão?
    será um inimigo ou um aliado?
    mesmo que eu esteja lendo agora essa história, e tendo vários personagens lvl alto no cabal br ainda sim estou curioso pra saber oq eu vai acontecer, pois nao me recordo muito bem desses acontecimentos... a sim vai ter um romace? amo romances desde que nao sejam num texto massante, o que , obiamente nao é esse o caso. em fim, meus parabnes, vc tem talento, e é muito criativo.

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