terça-feira, 29 de junho de 2010

Capítulo XXI

- Entao ele fugiu? – perguntou Simon com uma leve expressão de tristeza no rosto. Seu olhar pairou inerte no tempo, enquanto sua mente tentava compreender a atitude evasiva do amigo Skaild. Ele sabia desde muito tempo que aquele jovem sempre vivia se envolvendo em confusões e encrencas pelo condado, mas eram situações que podiam ser controladas e revertidas a seu favor. Dessa vez, Simon tinha a sensação de que Skaild havia se metido de vez em algo perigoso e com pessoas também perigosas. Essa conclusão o deixava mais entristecido ainda.
- Infelizmente não sabemos para onde ela possa ter ido. E me sinto responsável pela situação – Mehldrik percebia que Simon se sentia culpado por aquela situação complicada que envolvia o amigo Skaild e tentou minimizar a situação, mas foi rebatido com veemência por Simon.
- Não! – disse Simon com uma voz firme porém contida – Não, não, meu amigo. Você não deve se culpar por nada que ocorreu. Você fez a sua parte, e só o fato de saber que você conseguiu livrar Skaild das mãos da Guilda dos Ladrões já me deixa profundamente aliviado. – Simon segurou Mehldrik pelos ombros de maneira paternal e carinhosa, enquanto seu neto os observava atento e silencioso. – Acredite, você fez o melhor que podia e salvou Skaild do pior. E tudo o que acontecer daqui por diante será de inteira responsabilidade de Skaild! Ele está por conta dele mesmo agora.
- Eu devia ter feito essa missão sozinho. Se eu não tivesse encontrado tantas pessoas pelo caminho, eu acho que...
- Não, meu amigo, não pense assim! – interrompeu Simon, não deixando Mehldrik concluir seus pensamentos e tentando fazer ele não se sentir culpado por nada. – Se você os encontrou pelo caminho, era porque teria que ser assim. Você fez a sua parte da melhor maneira que pôde. E eles ajudaram você de todas as maneiras possíveis! Você mesmo me explicou que todos acompanharam você na busca por Skaild depois que ele foi libertado por você e pela duelista do esconderijo da Guilda.
- Sim, eles me ajudaram, mas... – Mehldrik tentou novamente expor suas considerações, mas foi novamente interrompido por Simon.
- E você também me contou que eles acompanharam você até bem perto das terras ocupadas pelo Clã dos Mortos-Vivos e enfrentaram uma horda de Zumbis que estavam atacando o grupo.
- Sim, enfrentamos todos aqueles zumbis juntos, mas...
- E mesmo cada um deles tendo suas missões paralelas, eles ainda continuaram acompanhando você na tentativa de te ajudar a encontrar Skaild e trazer ele de volta para cá! Você ainda não percebeu o que ocorreu, Mehldrik? – Simon olhou para o jovem Guardião Arcano com um semblante desafiador.
- Não... – respondeu Mehldrik em tom claramente vago – O que eu ainda não percebi?
- Meu jovem amigo, todos você seguiram nessa jornada pelas montanhas, unidos, porque começaram a acreditar no grupo que se formou! E eles sentiram em você força e determinação em nunca desistir de uma missão, por mais difícil e complicada que ela possa parecer! E só o fato de seu irmão caçula estar no grupo apenas reforça o que estou te explicando! Eles acreditaram no grupo formado, mesmo diante de todas as adversidades e mesmo que por pouquíssimo tempo unidos.
Mehldrik dessa vez não procurou responder. Ficou parado, em silêncio, pensando nas palavras ditas pelo amigo Simon. Era um senhor realmente de uma sabedoria fabulosa a quem tinha uma enorme admiração e respeito, e pelo visto somente agora começava a entender o que tudo aquilo que aconteceu com ele de fato significava. Não adiantaram as palavras de seu irmão, nem as explicações de Hevelin ou de Lehvinia. Nada disso conseguiu ser suficiente para ele entender a importância de tudo o que havia passado naqueles últimos dias. Foi preciso a sabedoria de um amigo de longa data como Simon para esclarecer seus questionamentos e dúvidas e fazer definitivamente Mehldrik entender que não tinha culpa pelo fracasso de sua missão. O que tinha que acontecer, aconteceu, como Simon mesmo disse.
- Vamos, anime-se! – disse o amigo Comerciante – Você precisa se sentir mais disposto, pois ambos sabemos que muitas outras missões para você virão pela frente.
Mehldrik olhou para Simon e esboçou um leve sorriso, já visivelmente revigorado pela conversa que tiveram naquele momento. Olhou para o jovem neto de Simon, que havia acompanhado atentamente o diálogo sentado sobre algumas caixas empilhadas ao lado de um mostruário onde estavam expostos algumas partes de armaduras. Ele observava tudo com um ar misteriosamente sério e soltou um sorriso quase imperceptível após escutar as palavras ditas pelo seu avô.
- Venha, vamos todos subir e comer algo. Você precisa recompor suas energias. – disse Simon, cuja estatura mediana o fazia sempre olhar um pouco para cima quando se dirigia a Mehldrik. O respeitado comerciante gesticulou chamando o neto, e os três então subiram ao pavimento superior da loja, morada de Simon e seu neto. Horas mais tardes estariam saboreando um saboroso guisado de lebrecorne.

Pelas montanhas distantes, o tempo fechado e os ventos frios pareciam nunca dar trégua para os aventureiros que decidessem enfrentar jornadas constantes por aquela imensa região congelante. A nevasca que caía era uma presença constante naquela paisagem, cujo silêncio era levemente alterado pelo som abafados dos passos de três recrutas graduados na neve fofa. Caminhando atentamente e tentando encontrar a direção correta até O Portal de Teleporte, Drakonyh tinha certa dificuldade em enxergar o caminho à sua frente. Devidamente encapuzado e agasalhado, tinha o rosto protegido dos ventos gelados por uma echarpe de lã até a altura um pouco abaixo dos olhos. Poucos metros atrás dele, seguia Amarantys, distanciada também um pouco de Hevelin, ambas completamente encobertas por mantas embaixo de suas capas. O frio era um obstáculo a ser vencido naquela caminhada. Porém, em determinado momento, Drakonyh, agoniado e talvez ansioso por encontrar logo o Portal, parou repentinamente, e num gesto meio de revolta, tirou a echarpe que protegia parte de seu rosto. Estreitou o olhar, tentando ver o caminho à sua frente, e logo em seguida fez uma expressão de pura insatisfação, olhando para os lados, visivelmente irritado.
- Neve, neve, só neve! Merda, como eu odeio todo esse lugar. Só tem neve pra qualquer lado que se olhe! – virou-se para trás, e viu Amarantys se aproximando lentamente pela neve fofa que fazia seus pés afundarem um pouco. – Como se consegue viver aqui neste lugar, cheio de... de... de neve!! – bradou o Espadachim, enquanto apontava para os lados.
- Sabe que estou começando a achar que neve é a única coisa que tira você do sério? – disse a Arqueira em tom descontraído, enquanto tirava o capuz e olhava para os lados, fazendo um reconhecimento silencioso do local onde estavam – Ver você assim, nervoso, é bem raro.
- Isso deve ser bem divertido para você – retrucou Drakonyh, mais contrariado com toda aquela neve do que com o que Amarantys disse.
- É que você está resmungando mais do que o habitual. Acho que ter mais uma missão nesse continente gelado era tudo o que você não queria. E não foi você mesmo quem disse que pensa na vida sempre como um desafio que superamos quando queremos?
- Fazer a missão para mim não é problema. Eu só queria que não tivesse tanta neve pelo caminho! – respondeu Drakonyh, meio impaciente.
Nesse meio tempo, Hevelin aproximou-se e tirou o capuz também, e questionou Amarantys do motivo de terem parado no meio do caminho.
- Drakonyh parece estar incomodado com tanta neve, resolveu parar e ficar resmungando. – explicou Amarantys, praticamente em tom de brincadeira, enquanto aproveitava aquela parada breve para observar atentamente o caminho que foram orientados a seguir.
- Fala a verdade, você adora me desafiar com essas suas insinuações, não é? – questionou Drakonyh meio contrariado.
- Eu acho que Amarantys não está insinuando. Ela está afimando. – interviu Hevelin na conversa e sua frase havia sido de fato muito mais desafiadora do que o comentário de Amarantys.
Drakonyh ouviu Hevelin falar e virou-se lentamente, olhando para a duelista. Esboçou um sorrindo e, apesar de toda aquela neve o incomodar de fato, procurou agir com descontração com Hevelin.
- Minha querida Hevelin. Eu percebo que desde que nos encontramos pela primeira vez, nossos poucos momentos de diálogos tem sido conflitantes e até um pouco provocativos, eu diria.
- Se isso também o incomoda, então não se preocupe. Basta que a gente converse o menos possível – respondeu Hevelin asperamente.
Instantaneamente Drakonyh parou de sorrir, apesar de continuar olhando para Hevelin. Sentiu que sua tentativa de ser diplomática não deu certo, e deu de ombros.
- Pelo visto, continuarei não dando bem com duelistas. Pelo menos não digam que não tentei ao menos ser amigável.
- Não precisa se esforçar em ser amigável, entre a gente isso não será necessário de forma alguma. – disse Hevelin.
- Bom, não tenho culpa se vocês, duelistas, tem uma certa inveja de nós, Espadachins Arcanos, pelo nível superior de batalha que sempre apresentamos. – Drakonyh virou-se e soltou um sorriso sutilmente debochado de canto de boca.
- O que você disse? – questionou desafiadoramente a Duelista, partindo para cima do Espadachim. – Você é um presunçoso!
- Calma aí vocês dois! – bradou Amarantys, interrompendo aquela discussão e impedindo que Hevelin fosse em direção a Drakonyh. – Ficaram malucos? Vocês se esqueceram que estamos os três em uma mesma missão? Drakonyh, eu sei o quanto você gosta de ser provocativo algumas vezes, por isso, contenha-se dessa vez. Lembre-se que além de mim existe outra pessoa formando nosso grupo nesta missão.
- Não se preocupe, vou procurar conter minha falta de modéstia – respondeu Drakonyh, ainda esboçando o mesmo sorriso sutil e debochado. Colocou o capuz na cabeça, protegeu novamente o rosto com a echarpe e novamente deu de ombros. Hevelin, ainda visivelmente irritada com a atitude do Espadachim, permaneceu calada enquanto Amarantys a acalmava.
- Hevelin, procure não dar ouvidos ao que Drakonyh fala. Ele sempre foi assim, debochado, provocador, desafiador. Conheço ele já faz um bom tempo e sei que ele não faz nada disso por mal.
- Para mim, ele é muito antipático, essa é a verdade – retrucou Hevelin.
- Eu não sei por quais problemas você deve ter passado anteriormente com espadachins, mas dessa vez vamos esquecer um pouco as diferenças e seguir adiante como um grupo. Tudo bem para você se for dessa forma?
- Tudo bem, vamos em frente. Já perdemos tempo demais com essa parada.
Amarantys apontou a direção que eles deveriam seguir, informando que já estavam bem próximos do destino. Prosseguiram a jornada através de uma trilha em meio a uma floresta ao pé de uma cadeia de montanhas, dessa vez sem paradas. Ao final do dia, haviam encontrado o Portal. De posse de seus Cartões de Teleporte, Drakonyh, Amarantys e Hevelin avançaram pela entrada e seguiram pela 4ª Porta do Teleporte sem fazer a menor idéia do que os esperavam do outro lado.