domingo, 23 de janeiro de 2011

Capítulo XXII

Mehldrik acordou cedo no dia seguinte, o dia nem bem estava clareando ainda. Guardou seu cristal e outros pequenos pertences em seu alforje, aprumou-se e desceu até a loja de Simon. O velho comerciante havia acordado antes mesmo do que o Guardião e já estava ocupado arrumando as mercadorias de seu pequeno estabelecimento. Mehldrik sentia-se agradecido por aquele breve intervalo de tempo onde conseguiu um merecido descanso depois de intensos dias de busca por Skaild pelas montanhas de Tundra Infame. Foi uma noite agradável de conversas em companhia do amigo Simon, uma pessoa a quem tinha profundo respeito pela figura paternal que ele deixava transparecer na amizade entre os dois. O comerciante carregava algumas peças de armaduras para uma prateleira quando avistou Mehldrik aproximar-se silencioso. Pelo olhar, sabia que era o momento de partir para novas jornadas e missões. Acomodou as peças no chão, e foi ao encontro do amigo Guardião. A despedida seria importante, pois ele tinha certeza de que demorariam mais algum tempo até que pudessem se encontrar novamente.
- Meu amigo... – disse Simon, fazendo uma breve pausa nas palavras, enquanto colocava a mão no ombro do jovem Guardião Arcano – Ao mesmo tempo sinto-me triste e alegre por dentro. Momentos como esse me proporcionam isso ao meu espírito.
Mehldrik fez um ar de desentendido inicialmente, mas deixou Simon continuar com seu breve discurso.
- Estou triste porque sei que após sua partida, demorará um bom tempo até que eu reencontre meu estimado amigo, a quem tenho profundo carinho, como o teria a um filho meu ou como tenho com o meu neto. Mas ao mesmo tempo, fico alegre por saber que você está amadurecendo, evoluindo e aprendendo sempre um pouco mais.
- Saiba que parte de meu aprendizado devo muito a você, Simon. – interrompeu Mehldrik.
- Mas o que este seu velho amigo aqui tem te oferecido em ensinamentos ainda é muito pouco, muito mesmo. Muito mais você aprenderá no mundo lá fora.
- Simon, seus ensinamentos e sua sabedoria também são muito importantes para mim.
- Tenho absoluta certeza de que seu pai e sua mãe teriam muito orgulho de você e de seu irmão, assim como eu tenho. – finalizou Simon, em tom emocionado. – Quanto ao paradeiro de Skaild, não se preocupe. Você fez o que esteve ao seu alcance para trazer ele de volta. Eu sinto muito que ele tenha desaparecido de novo, e todas as respostas que você buscava com ele tenham desaparecido junto. Mas tenho certeza de que ele aparecerá de novo.
- Eu espero que ele apareça novamente mesmo. – disse Mehldrik.
 - Envie minhas sinceras lembranças ao seu padrinho Henkoff, meu estimado amigo.
Os amigos abraçaram-se e se despediram, com Mehldrik prometendo retornar em breve para nova visita a Simon, assim que pudesse. O dia começava a clarear finalmente, frio e nublado, quando Mehldrik deixou a loja de Simon, seguindo pela rua e tomando o rumo para o prédio da Central das Forças Armadas de Tundra Infame.
No meio da manhã,  Mehldrik, já devidamente trajado com seu Fardão de Recruta Graduado,  adentrava a sala do Comandante Oficial Henkoff, saudando-o com as reverências militares. A conversa prosseguiu mediada por um tom quase informal entre os dois, mas sem perder o respeito pelas patentes militares. Mehldrik fez um brevíssimo resumo dos resultados de sua missão e da sua tentativa frustrada de trazer Skaild para Tundra Infame, bem como do seu encontro com Simon.
- Recruta Graduado Mehldrik,  estou ciente dos resultados de sua missão solicitada pelo meu velho amigo Simon. Você foi citado em dois outros relatórios de missões de outros recrutas graduados, cujas missões se cruzaram com a sua.
O jovem Guardião não fez nenhum ar de surpresa, pois tinha certeza das pessoas que o haviam citado nos relatórios, e ele sabia que uma dessas pessoas tinha sido Hevelin.
- Sim, Comandante, durante minha jornada encontrei outros recrutas e tivemos nossas missões interligadas por informações e objetivos em comum. – explicou Mehldrik.
- Apesar de sua missão não ter obtido o êxito final esperado, em parte conseguimos sucesso, principalmente porque vocês conseguiram confirmação do esconderijo da Guilda dos Ladrões a que tivemos informações, e além disso, nossas Tropas de Resgate já foram encaminhadas para o local para não somente resgatar como também capturar todos os sobreviventes que forem encontrados naquela mina.
- Fico contente em saber, agora, que nossos esforços não foram em vão.
- Vocês fizeram um bom trabalho em grupo, e com isso esperamos desarticular os planos da Guilda e recuperar grande parte das mercadorias roubadas. – Henkoff fez uma pausa proposital na frase com a claro intuito de mudar o rumo da conversa, já que ele considerava aquele assunto da missão realizada por Mehldrik uma questão finalizada e que não havia mais necessidade de ser retomada naquela reunião. Sentado em sua cadeira, Henkoff ainda demonstrava aquelas expressões impassíveis e uma seriedade presente em seu olhar, apesar de que naqueles momentos, como quando estava diante de um recruta graduado que praticamente havia criado como se fosse filho seu, ele deixava escapar sutilmente uma ou outra emoção através de sorrisos quase imperceptíveis. Mantinha as formalidades militares sempre, mas em alguns momentos, quebrava o protocolo de forma ponderada. Como agora, por exemplo, recostado em sua cadeira, segurando seu queixo sobre as mãos com os dedos entrelaçados, Henkoff quebrou a pausa que ele próprio havia iniciado com uma frase reveladora.
- Mehldrik, preciso de você para uma missão que considero extremamente importante. – disse o Comandante sem qualquer formalidade.
O jovem Guardião Arcano ficou meio surpreso com aquela frase dita pelo seu padrinho. Ele nunca havia dito nada parecido antes, principalmente quando ele o selecionava para alguma missão pessoalmente. Imaginou que realmente estava diante de uma situação nova na qual Henkoff depositava toda sua confiança nele para o sucesso do novo trabalho.
- Acredito que você tenha conversado bastante com Simon... – continuou Henkoff -  ...e ele tenha revigorado seu ânimo e confiança para futuras missões.
- Sim, nós conversamos e ele me convenceu a enxergar aquilo que eu via como um fracasso de outra forma.
- A experiência sempre nos mostra o melhor caminho a seguir. Nesse caso, Simon foi a tua voz da experiência.  – Henkoff fez uma nova pausa, dessa vez mais breve, e continuou – Agora estou designando você para uma missão que foi considerado por diversos membros do alto escalão da nossa Central como de prioridade máxima. Você e mais dois outros recrutas graduados foram designados por mim para formar um equipe de busca e resgate de um grupo de soldados desaparecidos em circunstâncias misteriosas em uma área montanhosa próxima ao nosso condado. Caberá a você e seu grupo encontrá-los e trazê-los de volta.
“Uma outra missão de resgate, não é possível”, pensou Mehldrik consigo mesmo naquela hora. Continuou ouvindo o Comandante em suas explicações breves e ao final daquele encontro, foi informado por Henkoff de que seria encaminhado ao encontro do Intrutor Oficial O’Conner para conhecer seu grupo e receber todas as informações detalhadas a respeito de sua nova missão. Despediram-se com as formalidades militares habituais, e antes que Mehldrik fechasse a porta atrás de si, ouviu o Comandante o chamar pelo nome. Ele virou-se e olhou atentamente para seu padrinho, que estava de pé próximo à sua mesa. Henkoff, com um sorriso contido nos lábios, apenas disse mais uma frase:
- Eu acredito em sua força interior.
Mehldrik passou pela ante-sala de secretariado e seguiu pelo corredor com uma expressão fechada e pensativa. Ele não entendia direito os mecanismos e procedimentos que foram deferidos para terem escolhido ele para uma nova missão de busca e resgate. “Seria isso uma espécie de teste? Por que uma outra missão de resgate?”, pensava consigo enquanto se dirigia ao encontro do Instrutor Oficial O’Conner, cuja sala ficava um andar logo abaixo. Seus questionamentos persistiam, e o jovem Guardião não sabia como definir esta missão, se ela poderia ser incluída como apenas mais uma missão em seu currículo militar, ou se era uma manobra exigida pelas Forças Armadas para testar seu próprio nível de confiança em si mesmo. As últimas palavras de seu padrinho tornaram-se novamente vívidas em sua memória, e ele então, silenciosamente em seu íntimo, preferiu acreditar na possibilidade de ser apenas mais uma missão de rotina a ser somada dentre tantas outras já feitas por ele. Desceu as escadas e chegou ao andar onde ficava a sala do Instrutor Oficial de Tundra Infame, e qual não foi sua imensa surpresa naquele exato momento ao encontrar inesperadamente com seu irmão Vohldrik e a Maga Lehvinia! Estranhou completamente aquele encontro, já que ele tinha em mente que os dois estavam na cidade do Deserto da Lamentação, no Continente de Huan.
- Meu irmão! – gritou Vohldrik, que, diferentemente da última vez em que se encontraram em meio às montanhas geladas, dessa vez correu mais festivo ao encontro de Mehldrik com uma alegria esfuziante e um sorriso de criança no rosto. Seu abraço quase derruba os dois no chão. – Que bom poder te encontrar de novo!
- É bom te ver também, Vohldrik. – respondeu Mehldrik, que assim como da última em que se encontraram, estava surpreso e com um sorriso leve no rosto.
- Como é lindo sempre que vocês se encontram. – disse Lehvinia de maneira carinhosa e sorridente ao ver os irmãos se abraçarem diante dela.
- Não imaginei que a gente se encontraria novamente tão rápido. – disse Mehldrik, ainda meio desajeitado pelo abraço sincero do irmão caçula. – O que vocês fazem aqui de volta a Tundra Infame?
- Fomos designados para uma nova missão aqui em Tundra Infame. Hoje cedo nos encontramos com nosso padrinho. – respondeu prontamente Vohldrik todo animado. De frente para o irmão, estufou o peito e soltou um sorriso largo para ele, todo aprumado em seu fardão de jovem recruta graduado em tons de azul claro. Isso significava que sua graduação de habilidades estava 1 nível abaixo do nível de Mehldrik e de Lehvinia, cujos fardões de graduados que usavam eram em tons verde-oliva. Ainda assim, isso não o impedia o jovem Guerreiro de já saber dominar e utilizar algumas habilidades arcanas de nível superior, através de treinamentos liberados e supervisionados pelos instrutores.
- Uma missão? Que missão seria essa? – questionou Mehldrik, curioso por saber mais detalhes.
- Vamos saber todos os detalhes assim que nos encontrarmos com o Instrutor Oficial O’Conner. – explicou Lehvinia.
Mehldrik começou a ficar intrigado com a missão designada para seu irmão e Lehvinia e preparava-se para fazer mais algumas perguntas quando foram subitamente interrompidos pelo Tenente-Coronel Walkner que aproximou-se dos três jovens.
- Aí estão vocês. O’Conner já aguarda por vocês para a reunião sobre a próxima missão designada para seu grupo. – disse Walkner, sempre com aquele tom de voz sereno, quase solene. - Por favor, me acompanhem sem demora.
Mehldrik, Vohldrik e Lehvinia entreolharam-se meio sem entender o motivo de terem sido chamados ao mesmo tempo. Caminharam em silêncio atrás do Tenente-Coronel, cada um com um olhar interrogativo para o outro e intrigados com aquela situação. Enquanto caminhavam pelo corredor, começaram a formular mentalmente perguntas para si mesmo. “Será isso mesmo que estou imaginando? Estamos juntos em uma mesma missão?”, pensava Mehldrik consigo mesmo. “Não acredito! Acho que vou sair em missão com meu irmão e com Lehvinia! Não poderia ser melhor!”, imaginava Vohldrik enquanto tentava conter sua satisfação interior. “Estou suspeitando que Mehldrik é quem fará parte de nosso grupo. Ficarei feliz se realmente for ele”, Lehvinia sorriu enquanto formulava esse seu pensamento. Inevitavelmente foram chegando a uma mesma conclusão: a de que estariam no mesmo grupo designado para a missão a qual o Instrutor Oficial O’Conner daria mais detalhes a seguir. À medida em que cada um deles ligava os fatos e chegava a essa mesma conclusão, despontavam em seus rostos sorrisos de pura satisfação e uma alegria contida. O Tenente-Coronel Walkner os encaminhou finalmente para a sala de reunião onde O’Conner já se encontrava.
- Aí estão vocês. – disse o Instrutor Oficial com um tom de voz um pouco tensa. Sua fisionomia deixava transparecer a preocupação que ele tinha com relação à missão que iria delegar aos jovens recrutas graduados.