terça-feira, 29 de junho de 2010

Capítulo XXI

- Entao ele fugiu? – perguntou Simon com uma leve expressão de tristeza no rosto. Seu olhar pairou inerte no tempo, enquanto sua mente tentava compreender a atitude evasiva do amigo Skaild. Ele sabia desde muito tempo que aquele jovem sempre vivia se envolvendo em confusões e encrencas pelo condado, mas eram situações que podiam ser controladas e revertidas a seu favor. Dessa vez, Simon tinha a sensação de que Skaild havia se metido de vez em algo perigoso e com pessoas também perigosas. Essa conclusão o deixava mais entristecido ainda.
- Infelizmente não sabemos para onde ela possa ter ido. E me sinto responsável pela situação – Mehldrik percebia que Simon se sentia culpado por aquela situação complicada que envolvia o amigo Skaild e tentou minimizar a situação, mas foi rebatido com veemência por Simon.
- Não! – disse Simon com uma voz firme porém contida – Não, não, meu amigo. Você não deve se culpar por nada que ocorreu. Você fez a sua parte, e só o fato de saber que você conseguiu livrar Skaild das mãos da Guilda dos Ladrões já me deixa profundamente aliviado. – Simon segurou Mehldrik pelos ombros de maneira paternal e carinhosa, enquanto seu neto os observava atento e silencioso. – Acredite, você fez o melhor que podia e salvou Skaild do pior. E tudo o que acontecer daqui por diante será de inteira responsabilidade de Skaild! Ele está por conta dele mesmo agora.
- Eu devia ter feito essa missão sozinho. Se eu não tivesse encontrado tantas pessoas pelo caminho, eu acho que...
- Não, meu amigo, não pense assim! – interrompeu Simon, não deixando Mehldrik concluir seus pensamentos e tentando fazer ele não se sentir culpado por nada. – Se você os encontrou pelo caminho, era porque teria que ser assim. Você fez a sua parte da melhor maneira que pôde. E eles ajudaram você de todas as maneiras possíveis! Você mesmo me explicou que todos acompanharam você na busca por Skaild depois que ele foi libertado por você e pela duelista do esconderijo da Guilda.
- Sim, eles me ajudaram, mas... – Mehldrik tentou novamente expor suas considerações, mas foi novamente interrompido por Simon.
- E você também me contou que eles acompanharam você até bem perto das terras ocupadas pelo Clã dos Mortos-Vivos e enfrentaram uma horda de Zumbis que estavam atacando o grupo.
- Sim, enfrentamos todos aqueles zumbis juntos, mas...
- E mesmo cada um deles tendo suas missões paralelas, eles ainda continuaram acompanhando você na tentativa de te ajudar a encontrar Skaild e trazer ele de volta para cá! Você ainda não percebeu o que ocorreu, Mehldrik? – Simon olhou para o jovem Guardião Arcano com um semblante desafiador.
- Não... – respondeu Mehldrik em tom claramente vago – O que eu ainda não percebi?
- Meu jovem amigo, todos você seguiram nessa jornada pelas montanhas, unidos, porque começaram a acreditar no grupo que se formou! E eles sentiram em você força e determinação em nunca desistir de uma missão, por mais difícil e complicada que ela possa parecer! E só o fato de seu irmão caçula estar no grupo apenas reforça o que estou te explicando! Eles acreditaram no grupo formado, mesmo diante de todas as adversidades e mesmo que por pouquíssimo tempo unidos.
Mehldrik dessa vez não procurou responder. Ficou parado, em silêncio, pensando nas palavras ditas pelo amigo Simon. Era um senhor realmente de uma sabedoria fabulosa a quem tinha uma enorme admiração e respeito, e pelo visto somente agora começava a entender o que tudo aquilo que aconteceu com ele de fato significava. Não adiantaram as palavras de seu irmão, nem as explicações de Hevelin ou de Lehvinia. Nada disso conseguiu ser suficiente para ele entender a importância de tudo o que havia passado naqueles últimos dias. Foi preciso a sabedoria de um amigo de longa data como Simon para esclarecer seus questionamentos e dúvidas e fazer definitivamente Mehldrik entender que não tinha culpa pelo fracasso de sua missão. O que tinha que acontecer, aconteceu, como Simon mesmo disse.
- Vamos, anime-se! – disse o amigo Comerciante – Você precisa se sentir mais disposto, pois ambos sabemos que muitas outras missões para você virão pela frente.
Mehldrik olhou para Simon e esboçou um leve sorriso, já visivelmente revigorado pela conversa que tiveram naquele momento. Olhou para o jovem neto de Simon, que havia acompanhado atentamente o diálogo sentado sobre algumas caixas empilhadas ao lado de um mostruário onde estavam expostos algumas partes de armaduras. Ele observava tudo com um ar misteriosamente sério e soltou um sorriso quase imperceptível após escutar as palavras ditas pelo seu avô.
- Venha, vamos todos subir e comer algo. Você precisa recompor suas energias. – disse Simon, cuja estatura mediana o fazia sempre olhar um pouco para cima quando se dirigia a Mehldrik. O respeitado comerciante gesticulou chamando o neto, e os três então subiram ao pavimento superior da loja, morada de Simon e seu neto. Horas mais tardes estariam saboreando um saboroso guisado de lebrecorne.

Pelas montanhas distantes, o tempo fechado e os ventos frios pareciam nunca dar trégua para os aventureiros que decidessem enfrentar jornadas constantes por aquela imensa região congelante. A nevasca que caía era uma presença constante naquela paisagem, cujo silêncio era levemente alterado pelo som abafados dos passos de três recrutas graduados na neve fofa. Caminhando atentamente e tentando encontrar a direção correta até O Portal de Teleporte, Drakonyh tinha certa dificuldade em enxergar o caminho à sua frente. Devidamente encapuzado e agasalhado, tinha o rosto protegido dos ventos gelados por uma echarpe de lã até a altura um pouco abaixo dos olhos. Poucos metros atrás dele, seguia Amarantys, distanciada também um pouco de Hevelin, ambas completamente encobertas por mantas embaixo de suas capas. O frio era um obstáculo a ser vencido naquela caminhada. Porém, em determinado momento, Drakonyh, agoniado e talvez ansioso por encontrar logo o Portal, parou repentinamente, e num gesto meio de revolta, tirou a echarpe que protegia parte de seu rosto. Estreitou o olhar, tentando ver o caminho à sua frente, e logo em seguida fez uma expressão de pura insatisfação, olhando para os lados, visivelmente irritado.
- Neve, neve, só neve! Merda, como eu odeio todo esse lugar. Só tem neve pra qualquer lado que se olhe! – virou-se para trás, e viu Amarantys se aproximando lentamente pela neve fofa que fazia seus pés afundarem um pouco. – Como se consegue viver aqui neste lugar, cheio de... de... de neve!! – bradou o Espadachim, enquanto apontava para os lados.
- Sabe que estou começando a achar que neve é a única coisa que tira você do sério? – disse a Arqueira em tom descontraído, enquanto tirava o capuz e olhava para os lados, fazendo um reconhecimento silencioso do local onde estavam – Ver você assim, nervoso, é bem raro.
- Isso deve ser bem divertido para você – retrucou Drakonyh, mais contrariado com toda aquela neve do que com o que Amarantys disse.
- É que você está resmungando mais do que o habitual. Acho que ter mais uma missão nesse continente gelado era tudo o que você não queria. E não foi você mesmo quem disse que pensa na vida sempre como um desafio que superamos quando queremos?
- Fazer a missão para mim não é problema. Eu só queria que não tivesse tanta neve pelo caminho! – respondeu Drakonyh, meio impaciente.
Nesse meio tempo, Hevelin aproximou-se e tirou o capuz também, e questionou Amarantys do motivo de terem parado no meio do caminho.
- Drakonyh parece estar incomodado com tanta neve, resolveu parar e ficar resmungando. – explicou Amarantys, praticamente em tom de brincadeira, enquanto aproveitava aquela parada breve para observar atentamente o caminho que foram orientados a seguir.
- Fala a verdade, você adora me desafiar com essas suas insinuações, não é? – questionou Drakonyh meio contrariado.
- Eu acho que Amarantys não está insinuando. Ela está afimando. – interviu Hevelin na conversa e sua frase havia sido de fato muito mais desafiadora do que o comentário de Amarantys.
Drakonyh ouviu Hevelin falar e virou-se lentamente, olhando para a duelista. Esboçou um sorrindo e, apesar de toda aquela neve o incomodar de fato, procurou agir com descontração com Hevelin.
- Minha querida Hevelin. Eu percebo que desde que nos encontramos pela primeira vez, nossos poucos momentos de diálogos tem sido conflitantes e até um pouco provocativos, eu diria.
- Se isso também o incomoda, então não se preocupe. Basta que a gente converse o menos possível – respondeu Hevelin asperamente.
Instantaneamente Drakonyh parou de sorrir, apesar de continuar olhando para Hevelin. Sentiu que sua tentativa de ser diplomática não deu certo, e deu de ombros.
- Pelo visto, continuarei não dando bem com duelistas. Pelo menos não digam que não tentei ao menos ser amigável.
- Não precisa se esforçar em ser amigável, entre a gente isso não será necessário de forma alguma. – disse Hevelin.
- Bom, não tenho culpa se vocês, duelistas, tem uma certa inveja de nós, Espadachins Arcanos, pelo nível superior de batalha que sempre apresentamos. – Drakonyh virou-se e soltou um sorriso sutilmente debochado de canto de boca.
- O que você disse? – questionou desafiadoramente a Duelista, partindo para cima do Espadachim. – Você é um presunçoso!
- Calma aí vocês dois! – bradou Amarantys, interrompendo aquela discussão e impedindo que Hevelin fosse em direção a Drakonyh. – Ficaram malucos? Vocês se esqueceram que estamos os três em uma mesma missão? Drakonyh, eu sei o quanto você gosta de ser provocativo algumas vezes, por isso, contenha-se dessa vez. Lembre-se que além de mim existe outra pessoa formando nosso grupo nesta missão.
- Não se preocupe, vou procurar conter minha falta de modéstia – respondeu Drakonyh, ainda esboçando o mesmo sorriso sutil e debochado. Colocou o capuz na cabeça, protegeu novamente o rosto com a echarpe e novamente deu de ombros. Hevelin, ainda visivelmente irritada com a atitude do Espadachim, permaneceu calada enquanto Amarantys a acalmava.
- Hevelin, procure não dar ouvidos ao que Drakonyh fala. Ele sempre foi assim, debochado, provocador, desafiador. Conheço ele já faz um bom tempo e sei que ele não faz nada disso por mal.
- Para mim, ele é muito antipático, essa é a verdade – retrucou Hevelin.
- Eu não sei por quais problemas você deve ter passado anteriormente com espadachins, mas dessa vez vamos esquecer um pouco as diferenças e seguir adiante como um grupo. Tudo bem para você se for dessa forma?
- Tudo bem, vamos em frente. Já perdemos tempo demais com essa parada.
Amarantys apontou a direção que eles deveriam seguir, informando que já estavam bem próximos do destino. Prosseguiram a jornada através de uma trilha em meio a uma floresta ao pé de uma cadeia de montanhas, dessa vez sem paradas. Ao final do dia, haviam encontrado o Portal. De posse de seus Cartões de Teleporte, Drakonyh, Amarantys e Hevelin avançaram pela entrada e seguiram pela 4ª Porta do Teleporte sem fazer a menor idéia do que os esperavam do outro lado.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Capítulo XX

 Assim como a cidade militarizada localizada no Condado de Tundra Infame, no Continente de Midreth, o núcleo militar que ficava no meio do Deserto da Lamentação, em Huan, era uma cidade privilegiada pela sua localização estratégica, ficando praticamente no topo de um imenso platô no meio do caminho entre duas grandes e principais cidades do continente, Eska e Judin. Tanto a cidade do Deserto da Lamentação como a de Tundra Infame, e também a que ficava localizada na Floresta do Desespero, no Continente de Pastur, tinham sido projetadas e construídas com o único propósito de concentrar o poderio armamentista e o contigente de recrutas e soldados, sendo esses em número bem maior do que o de civis nessas cidades.
O brilho forte do sol cegou suas visões por alguns instantes, até que eles conseguiram enxergar o azul quase atordoante daquele céu límpido. Vohldrik e Lehvinia, enfim, estavam na cidade militar do Deserto da Lamentação. Ficaram bastante surpresos os dois, pois tinham acabado de sair no Portal de Teleporte que ficava praticamente na parte sul interna do enorme muro de pedra que cercava todo a área do prédio da Central das Forças Armadas do Condado do Deserto, um complexo arquitetônico construido no meio da cidade com pedras cujas tonalidades pareciam se confundir obrigatoriamente com as tonalidades presentes naquelas regiões áridas e desérticas. O prédio possuia uma imensa cúpula dourada na parte central rodeada por outras quatro abóbodas menores, estas também delimitadas por 2 miranetes dispostos nos lados leste e oeste da construção que podiam ser vistos de qualquer ponto da cidade.
Sob o forte forte, Vohldrik e Lehvinia caminharam pela trilha pavimentada por pedras irregulares em direção ao prédio. No centro daquele pátio adornado por diversas palmeiras destacava-se no chão o desenho de um imenso sol, feito a partir do mosaico das próprias pedras irregulares. Um pequeno grupo de Magos novatos passaram por ali correndo, enquanto comentavam a respeito de estarem atrasados para treinarem suas habilidades na área dos fantoches de treinamento. O Guerreiro e a Maga atravessaram todo o pátio, até perceberem a presença de alguém que parecia estar aguardando pela sua chegada. Era o Oficial da Guarda Markus, conhecido por todos como um dos duelistas chefe da Guarda Militar que protegia os domínios da Cental das Forças Armadas do Deserto da Lamentação. Vohldrik imediatamente o reconheceu o robusto e imenso amigo de longe, com suas vestes da Guarda em tons azuis e preto, e usando um tubarte azul celeste preso por uma apresentável faxia preta. Acenou de maneira contente para ele, gesto que foi imediatamente retribuído por Markus.
- Meu jovem amigo Vohldrik! – exclamou Markus, enquanto cumprimentava o guerreiro, que parecia ficar menor ainda perto do Oficial da Guarda. – Eu soube pelo Agente do Armazém que você foi à procura do Capitão Mark, e pela sua demora em retornar, temi que algo tivesse acontecido contigo. Afinal, você encontrou o Capitão Mark?
- Encontrei, Markus, e você nem imagina as aventuras que passei e por onde eu andei! – respondeu Vohldrik com uma visível empolgação própria de sua idade de garoto ainda. Lehvinia, em princípio, olhou intrigada para o jovem guerreiro, e em seguida soltou um sorriso típico de quem acabara de ficar desconcertada pela situação, já que ela ainda não tinha presenciado o jeito ameninado de Vohldrik desde que o conhecera.
- Pela empolgação, você deve ter passado por muitas coisas nos últimos dias, hein? – perguntou sorrindo Markus.
- Claro! -  respondeu Vohldrik com uma agitação típica de um garoto cheio de histórias para contar. – Seu primo vai adorar ouvir minhas aventuras e escrever tudo o que vou contar. – o jovem guerreiro coçava a nuca enquanto soltava um sorriso de puro convencimento.
- Eu tenho certeza absoluta de que ele vai adorar escrever suas aventuras. – disse Markus descontraidamente, enquanto virava-se para cumprimentar a Maga – Recruta Lehvinia, há quanto tempo não te vejo.
- Oi, Markus. – respondeu Lehvinia toda sorridente, enquanto acenava de maneira modesta para o Oficial da Guarda. – Faz um tempinho que não nos vemos realmente.
- Vocês já se conhecem? – indagou Vohldrik surpreso, enquanto olhava para os dois.
- Claro que nos conhecemos, Vohldrik. – respondeu Markus – Eu já auxiliei Lehvinia em algumas missões de treinamento em campo logo quando ela entrou para a Academia Militar aqui no Deserto da Lamentação.
- Algumas missões eu não teria completado sem a ajuda de Markus – comentou Lehvinia meio sem graça, enquanto percebia o sorriso de menino maroto presente no rosto de Vohldrik, que olhava para eles dois.
- E então? Depois vamos visitar seu primo para eu contar tudo para ele! – disse Vohldrik empolgado.
O Oficial da Guarda respondeu afirmativamente, e em seguida os conduziu pelos corredores e salões abobadados do prédio, enquanto escutava Vohldrik contar animadamente tudo o que tinha ocorrido com ele pelas montanhas geladas do Continente de Midreth e seus encontros perigosos com zumbis, gorilas e sombras mortais. Lehvinia contemplava realmente surpresa aquele inusitado comportamento de Vohldrik, que parecia deixar fluir seu lado juvenil sem qualquer pudor, um verdadeiro garoto ainda, contente por encontrar um grande amigo que não via fazia algum tempo.
- Markus, como você sabia que nós estávamos chegando aqui no Deserto da Lamentação? – indagou Lehvinia com um ar questionador.
- É mesmo, Markus – também perguntou Vohldrik – Se a gente não avisou que estava chegando, como você soube?
- O Capitão Mark nos alertou que vocês chegariam hoje nesse extao horário. – explicou Markus. – Então recebi orientação do Tenente-Duelista Novack para que assim que vocês chegassem, eu o informasse para que ele pudesse agendar uma reunião imediata com o Comandante Oficial Dunhike.
Ao ouvirem aquela explicação, tanto o Guerreiro como a maga fizeram expressões de puro espanto. Mais uma vez estavam sendo surpreendidos pelas atitudes misteriosas e inexplicáveis do Capitão Mark.
- Novamente o misterioso Capitão Mark. – comentou Lehvinia.
- Nada me tira da cabeça que ele seja um adivinho, ou um profeta. – opinou Vohldrik de maneira incisiva, tentando mostrar firmeza naquilo que dizia. Markus olhou para o pequeno e jovem amigo e soltou uma risada descontraída, achando graça do que Vohldrik acabava de dizer.
 - Vocês e esses seus jovens questionamentos. – disse o Oficial da Guarda. Alcançaram o 3º andar do prédio, e no hall central adornado por pilastras revestidas de desenhos em mosaicos sustentado um teto abobadado, encontraram o Tenente-Duelista Novack. Após rápidos cumprimentos militares, Novack agradeceu pelos serviços prestrados por Markus em conduzí-los imediatamente ao seu encontro, e então solicitou que Vohldrik e Lehvinia os acompanhasse até a sala do Comandante Oficial Dunhike. Antes, o jovem Guerreiro e a observadora Maga despediram-se do Oficial da Guarda, e Vohldrik cobrou a visita que fariam para o primo de Markus. Então seguiram por um extenso corredor até a entrada da sala do Comandante Oficial, que já os aguardava ansioso.
O Comandante Dunhike era um senhor de idade avançada e corpo esguio, rosto marcado pela passagem dos tempos e delineado por um bigode e cavanhaque totalmente grisalho. Vestia uma batina em tons bege e amarelo dourado, com detalhes de arabescos em marrom-escuro e preso na cintura uma fivela escura com detalhes em prata. Usava um imponente chapéu-turbante amarrado por uma faixa alaranjada e segurava constantemente na mão esquerda uma katana sempre guarnecida na bainha. Entretanto, sua aparência anciã não condizia com seus movimentos rápidos e determinados, e seus gestos firmes e joviais. Dunhike estava sentado em sua mesa, no meio de uma sala ampla, arejada e bem iluminada por enormes janelas, assinando diversos papéis e os entregando para dois secretários subalternos quando avistou a entrada do Tenente-Duelista Novack seguido por Vohldrik e Lehvinia. Logo levantou-se confiante e sorrindo, enquanto dirigia-se ágil em direção aos recém-chegados recrutas graduados.
- Fabuloso! Simplesmente fabuloso! – disse o Comandante Oficial de maneira contida. – Mais uma vez, o Capitão Mark foi preciso nas informações. – Dunhike aguardou a rápida saída dos subalternos e do Tenente-Duelista para então prosseguir com a reunião. – Estava aguardando a chegada de vocês com informações da missão para o qual foram designados pelo Capitão Mark.
- Senhor... – interrompeu Vohldrik, mostrando um ar cheio de questinamento – ...estamos confusos sobre o fato de nosso ponto de retorno ter sido bem aqui na Central.
- Na verdade, isso tem explicação direta com os cartões de teleporte entregues a vocês pelo Capitão Mark antes de iniciarem sua missão. Eles estavam programados com coordenadas de retorno justamente para o Portão de Teleporte localizado aqui no prédio da Central. – explicou Dunhike.
- Então o Capitão Mark já sabia que retornaríamos exatamente para a Central? – perguntou Lehvinia meio confusa.
- Exatamente, minha jovem Maga. – respondeu Dunhike prontamente – Inclusive ele me informou o dia e momento exatos em que vocês chegariam aqui. E como sempre, ele acertou novamente! – o Comandante Oficial demonstrava certa euforia quando falava do Capitão Mark. Mas imediatamente ele percebeu sua alegria exagerada naquele momento e rapidamente se aprumou, endireitando-se numa pose formal e contida. Pigarreou e então, mais contido, prosseguiu de maneira mais centrada com a reunião. – Muito bem, gostaria que vocês dois relatassem inicialmente como foi a missão de vocês e os resultados finais obtidos.
Dito isso, Lehvinia e Vohldrik, cada um a seu tempo, iniciaram um breve relato resumido do que ocorreu desde a partida deles da morada do Capitão Mark, explicando basicamente todos as situações ocorridas nas montanhas geladas de Midreth até o retorno deles na cidade do Deserto da Lamentação. O Comandante Oficial Dunhike ouviu tudo atentamente, sem perder qualquer detalhe do que tinha sido contado pelos dois. Após 25 minutos de explicações, Dunhike fez uma pausa silenciosa, enquanto alisava mansamente seu cavanhaque branco.
- Meus jovens, de certa forma, apesar de não terem encontrado de fato Kashu, todas as informações que foram trazidas por vocês estão sendo muito úteis para que possamos confirmar todo o envolvimento dele na série de roubos de mercadorias que tem ocorrido lá no Continente de Midreth. – explicou Dunhike calmamente.
- Desculpe, Comandante, mas como nossas informações podem ajudar nesse caso? – perguntou Vohldrik, curioso.
- Muito simples, meu jovem guerreiro. O local descrito como sendo um possível esconderijo de mercadorias roubadas tinha ligação direta com outras informações envolvendo Kashu. E a missão de vocês na verdade confirmou definitivamente tudo isso. No final das contas, a missão trouxe resultados positivos. – Dunhike fez uma nova pausa na conversa, como que avaliando as próximas palavras que diria. Então virou-se para os dois recrutas graduados e explicou o que viria pela frente para o Guerreiro e para a Maga.
- Creio que vocês não terão descanso, pois informo oficialmente que os dois já foram designados para uma nova missão.
Vohldrik e Lehvinia olharam para Dunhike surpresos, pois não esperavam realmente que fossem convocados para uma nova missão tão rapidamente. Permaneceram calados ouvindo as explicações do Comandante Oficial.
- Recruta Graduada Lehvinia. Seu histórico positivo de missões de busca e resgate de grupos desaparecidos tem chamado a atenção de seus superiores aqui em nossa Central, assim como de diversos outros Comandantes nas outras Centrais Militares nos diversos continentes. Devido ao seu sucesso nas missões anteriores, você foi indicada para uma nova missão de busca e resgate de um grupo de soldados que desapareceu nas montanhas geladas próximas ao condado de Tundra Infame. – Dunhike dirigiu-se à sua mesa e mexeu em uma pequena pilha de papéis, até achar uma pasta em específico, abrindo-a. – Segundo informações sobre o grupo, ele era formado por soldados daqui de nossa Central e da Central das Forças Armadas de Tundra Infame.
- Isso significa então que retornaremos para Midreth? – questionou Lehvinia.
- Imediatamente. Tanto você como Vohldrik foram designados para esta missão. – confirmou Dunhike – Assim que vocês chegarem no Condado de Tundra Infame, sigam para a Central das Forças Armadas e obtenham novas instruções do Comandante Henkoff. Acredito que mais alguém irá acompanhá-los nesta missão.
- Mais um recruta graduado? Quem seria? – indagou Vohldrik.
- Essa informação somente o Comandante Henkoff poderá dar a vocês. – respondeu Dunhike de forma meio enigmática. - Agora podem ir, estão dispensados.

Começava a nevar discretamente quando Mehldrik parou diante da Loja de Simon. Intimamente sentia-se chateado por saber que não tinha boas notícias para o amigo, e isso o fez hesitar um pouco em entrar na loja. Pensativo, o Guardião não havia reparado a presença de um jovem garoto sentado sobre alguns caixotes de madeira empilhados do lado de fora da loja, próximos à entrada. Apesar de seus 13 anos de idade, o garoto parecia muito mais interessado na leitura de um estranho livro que tinha em suas mãos do que estar se divertindo com os outros meninos que passavam correndo pela rua. Percebeu que começava a nevar e se preparava para entrar na loja quando avistou o Guardião Arcano.
- Mehldrik? – o garoto fez uma expressão de puro espanto.
- Não tinha visto você aí sentado. Seu avô está na loja? – perguntou.
- Sim, está lá dentro no depósito. Quer que eu chame ele?
- Agradeceria se você fizesse isso.
Os dois entraram na loja, cujo interior era incrivelmente forrado por estantes até o teto, com centenas de tipos de elmos, grevas e outras partes de armaduras feitas com diversos tipos de materiais como aço negro e titânio. O garoto seguiu direto para os fundos da loja, passando ao lado de um poço circular de meio metro de altura em cujo interior metais líquidos derretidos queimavam em chamas incandescentes que iluminavam diversas ferramentas de ferreiro encostadas numa parede próxima a uma porta. Foi por essa porta que o garoto entrou, descendo por uma escadaria que sumia numa penumbra. Mehldrik apenas observou o garoto sumir pela porta, e silencioso aguardou que alguém retornasse. Observava algumas peças de armaduras numa estante próxima quando uma voz conhecida quebrou aquele silêncio do recinto e o trouxe de volta de seus pensamentos.
- Meu amigo Mehldrik! Enfim você retornou! – bradou Simon, abrindo os braços, mostrando toda sua satisfação ao rever o amigo Guardião.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Capitulo XIX

Mehldrik caminhava pensativo, lembrando daquela discussão que Hevelin havia propiciado entre eles dois, achando completamente desnecessário tudo aquilo que havia ocorrido no dia anterior. Envolvido em seus pensamentos, avistou uma placa de madeira sustentada por uma firme haste de aço que começava a balançar ao sabor do vento, dando sinal de que o tempo poderia fechar a qualquer momento. Naquela placa podia ser lida a inscrição “Refúgio de Keller”, o que de fato era uma verdade, já que aquele local era uma aconchegante taberna onde as pessoas costumavam parar e passar alguns momentos conversando em um ambiente bem aquecido por uma imensa lareira, enquanto degustavam bebidas quentes e saborosamente exóticas servidas pela Alquimista Keller, proprietária do lugar. Mehldrik ouvira falar dessa taberna, bem como da boa reputação de sua dona, mas nunca havia parado no local. Estava indo para a Loja do amigo Simon, e pelo caminho passou diante do tal “Refúgio de Keller”. Olhou para cima, enxergando a placa que balançava, parando bruscamente, como que surpreso por encontrar aquela taberna naquele momento diante de si. Começava a nevar timidamente, e o Guardião olhou pela vidraça das janelas de madeira com atenção tentando visualizar o ambiente lá dentro.  Viu algumas pessoas sentadas em bancos, também de madeira bem trabalhada e extremamente fortes, bebendo e conversando próximas à lareira. Mehldrik então decidiu entrar para beber algo antes de encontrar-se com Simon.
Empurrou a porta-balcão e incrivelmente sentiu a diferença de temperatura. Apesar do tempo frio e da neve lá fora, a taberna mantinha-se incrivelmente aquecida, o que realmente poderia explicar o motivo pelo qual o “Refúgio de Keller” vivia sempre cheio e movimentado. Mehldrik escolheu uma mesa qualquer e acomodou-se, enquanto observava os estandartes de tecidos azuis com detalhes de desenhos em espirais e círculos alquímicos pendurados, decorando o ambiente em alguns cantos. Não demorou muito para uma mulher calmamente aproximar-se dele. Keller era uma jovem alta e magra compondo uma beleza singularmente sinuosa e esbelta. Seus cabelos eram de um azul quase prateado e curtos na altura da nuca, escondidos por um gorro-chapéu marrom escuro de lã. Vestia trajes que combinavam praticidade e conforto, como um colete de couro cru marrom escuro que cobria seu corpo dos ombros até a altura de seus joelhos e a mantinha bem aquecida, além de luvas que cobriam seus braços, e as botas que cobriam suas pernas até a altura da canela, ambos feitos também de couro cru, num cinza azulado. Keller usava também uma fivela de metal prendendo duas espécies de aventais que cobriam lateralmente suas pernas.
- Olá, seja bem vindo. – disse Keller com um sorriso jovial. – Eu sou Keller, proprietária desse caloroso refúgio.
- Olá, eu sou Mehldrik. – respondeu o Guardião, economizando nas palavras.
– Não lembro de ter visto você por aqui antes. – Keller puxava conversa, demonstrando ser uma pessoa comunicativa e expansiva para fazer novas amizades.
- É, eu nunca estive aqui antes. Estava passando e decidi entrar para beber algo.
- Então você veio ao lugar certo. Eu sirvo aqui diversos tipos de bebidas e ainda preparo misturas exclusivas e exóticas. – enquanto falava sobre as incríveis bebidas alquímicas que sua taberna oferecia, Keller gesticulava de uma forma cativante e envolvente. Seus movimentos não eram bruscos, e sempre abria os braços como que demonstrando toda sua simpatia e receptividade com os seus clientes. Em determinados momentos, colocava uma mão na cintura enquanto a outra apontava o dedo para o ar, balançando levemente, enquanto ela sorria em sua direção contando as maravilhas milagrosas que suas bebidas provocavam naqueles que as degustavam. – Você não imagina o que está perdendo então, rapaz.  Vou preparar algo exclusivo que vai revigorar sua força interior. Espere que já volto.
Mehldrik realmente estava se sentindo bem naquele ambiente e simpatizou-se com a conversa descontraída de Keller que fazia qualquer um acreditar que já a conhecia há muito tempo, como uma amizade antiga. Mehldrik acabara de ter essa mesma sensação, e enquanto Keller se afastava para ir preparar sua bebida, ele soltou um sorriso sutil e balançou a cabeça levemente. Não demorou muito e Keller voltava trazendo numa bandeja uma caneca com uma bebida quente e amarronzada. Mehldrik recebeu a caneca e sentiu o aroma convidativo, para em seguida tomar o primeiro gole.
- Uma delícia revigorante, não é? – perguntou sorridente Keller, observando atentamente a reação do Guardião.
Mehldrik degustou o sabor único daquela bebida e concordou afirmativamente, chegando a fazer um certa expressão de espanto pois instantâneamente sentiu-se com as energias revitalizadas por completo, como se naquele exato momento pudesse sair andando pelas montanhas durante dias sem se cansar.
- Algumas bebidas que faço são energéticas, outras revitalizantes, e tem algumas especiais que revigoram completamente sua força arcana interior. – explicou Keller, sempre expansiva em seus gestos calmos. – Não é algo maravilhoso?
- Sim. – respondeu Mehldrik, percebendo que a Alquimista conversava bastante, bem mais do que ele. – Sua bebida é muito boa.
- Desculpe perguntar, mas qual é seu nome mesmo? – Keller fez um trejeito de quem estava meio sem graça pela pergunta. Colocou uma mão na cintura e a outra coçava a nuca discretamente.
- Mehldrik. – respondeu o Guardião enquanto tomava outro gole da bebida.
- Não repare, mas eu sou assim meio esquecida das coisas, não consigo guardar nomes de pessoas e lugares. Eu desconfio que meu cérebro está congelando por conta do clima gelado, e está me fazendo esquecer das coisas. – Keller sorriu e prosseguiu falando – Mas mesmo assim eu adoro Tundra Infame, amo todo esse lugar coberto de neve. Adoro essa movimentação de pessoas indo e vindo, adoro criar bebidas diferentes para todos que aqui aparecem na taberna.
- As pessoas devem gostar muito de suas bebidas. – comentou Mehldrik.
- Muito! Elas adoram muito!
- Dá para perceber pela movimentação aqui. – disse Mehldrik, enquanto olhava o ambiente.
- Mas nem sempre foi assim. – Keller soltou um suspiro, cruzando os braços logo em seguida – No início eu era pouco conhecida, e não havia muitos clientes para quem servir meus elixires, então já dá para imaginar como o era o movimento aqui. Muito parado. Naquela época eu quase nem vivia ocupada com o estabelecimento como hoje.
A Alquimista fez uma pausa brevíssima, como que tentando lembrar-se de algo ou alguém.
- Naquela época até tive tempo para atender a um pedido de um amigo meu.
- Que pedido? – perguntou Mehldrik.
- Esse meu amigo... Como era mesmo o nome dele?... Bom, não importa. Esse meu amigo trouxe um garoto aqui e me pediu para que eu cuidasse dele. Coitado, o menino tinha perdido os pais dele quando monstros invadiram a vila onde eles moravam. Qual era mesmo o nome daquele garoto?... – Keller fez nova pausa, colocando a mão no queixo. – Ah, sim, agora me lembro. Seu nome era Patren. Graças aos céus, não esqueci o nome dele. – A Alquimista sorriu.
- Você cuidou do garoto?
- Cuidei durante algum tempo, era um bom garoto, educado e prestativo. Senti muito quando ele teve que partir novamente. Uma vez recebi uma carta dele onde ele dizia que tinha feitos muitos amigos em sua jornada e que estava feliz. Uma pena eu não saber hoje onde ele está. – Keller esboçou um leve ar pensativo ao relembrar do jovem garoto que havia cuidado.
- Provavelmente hoje ele deve estar bem e agradecido por você ter cuidado dele por algum tempo. – disse Mehldrik, tomando o último gole da bebida. Aquele comentário dele trouxe a Alquimista de volta de suas recordações. Ela soltou um sorriso tímido.
- Peço novamente desculpas... – Keller novamente havia se esquecido do nome do Guardião e disfarçou a pausa rápida na frase até lembrar como ele se chamava. – ...Mehldrik! Boas lembranças me invadiram agora.
- Não precisa se desculpar. Recordações são criadas para serem lembradas sempre que pudermos. – Mehldrik sorriu levemente, e se levantou. – Sua bebida estava ótima, e a conversa também. Gostaria de ficar mais  um pouco, mas tenho que ir.
- Não seja por isso. Sempre que quiser, pode voltar, você será sempre bem vindo.
Mehldrik pagou pela bebida, despediu-se de Keller, e prometeu que voltaria mais vezes ao “Refúgio”. Logo em seguida saiu com passos rápidos para se encontrar com o Amigo Simon.

Distante dali, na Central do Comando das Forças Armadas de Tundra Infame, na sala do Comandante Oficial Henkoff, Hevelin terminava de relatar como havia sido sua missão de confirmar o esconderijo secreto da Guilda dos Ladrões. Após ouvir atentamente, Henkoff fez um ar de aprovação, satisfeito pelo fato de ter escolhido a Duelista para realizar tal missão. Parabenizou Hevelin para logo em seguida tecer seus comentários.
- Sua coragem e determinação em alcançar o objetivo da missão nos trouxe resultados positivos. Com a confirmação do esconderijo da Guilda dos Ladrões, vou deliberar uma tropa de Resgate até a montanha com o objetivo de procurar sobreviventes no soterramento.
- Acredito que os ladrões tenham sobrevivido e estejam ainda presos na mina. – explicou Hevelin.
- Nesse caso, se houver sobreviventes, todos serão resgatados e presos. – afirmou o Comandante, levantando-se de sua cadeira. Caminhou calmamente até a lareira e ficou um breve tempo diante do fogo que crepitava. Logo acima, havia um enorme quadro com o mapa detalhado do Continente de Midreth. Henkoff virou-se então para Hevelin, que permanecia de pé em posição de sentido.
- Então você encontrou o Guardião Mehldrik em missão nas montanhas?
- Sim, Comandante. Ele estava em missão de busca e resgate de alguém chamado Skaild. Porém, o mesmo acabou escapando para destino ignorado.
- Nesse caso, meu velho amigo Simon não receberá boas notícias de Mehldrik. Uma pena, pois eu garanti a ele que Skaild seria trazido são e salvo para Tundra.
Hevelin ficou surpresa ao ouvir o que o Comandante dizia naquele momento.
- O senhor sabia dessa missão de Mehldrik desde o início então?
- De fato, eu sabia. Simon me procurou solicitando ajuda do exército para interceder em favor de Skaild. Então eu orientei ele para que procurasse Mehldrik e destinasse a missão para ele. – Henkoff silenciou repentinamente, virou-se e voltou para sua mesa. Pegou uma pasta e por alguns instantes observou os documentos em suas mãos. Sem tirar os olhos dos papéis, informou para Hevelin que ela estava convocada imediatamente para uma nova missão.
- Recruta Graduada Hevelin, foi deliberada hoje pela manhã para você uma nova missão. Você deverá partir imediatamente com o grupo que está de saída. – O Comandante Oficial retirou de dentro da pasta um cartão de teletransporte e o entregou para a Duelista, ao mesmo tempo em que explicava para ela que todos os detalhes de sua missão seriam repassados pelos membros do grupo que faria parte.
- E quem devo procurar? – indagou Hevelin.
- Você deve procurar os Recrutas Graduados Amarantys e Drakonyh. Sua nova missão será com eles.
Hevelin ficou imóvel e com um leve ar de espanto. Ela não estava acreditando no que acabara de ouvir.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Capitulo XVIII

 Drakonyh e Amarantys estavam muito bem arrumados vestindo seus fardões de recrutas graduados, enquanto aguardavam no extenso corredor iluminado pela claridade tímida daquele dia que atravessava as janelas daquele andar que dava acesso à sala do Instrutor Oficial O’Conner. De um lado, sentada em um banco de madeira de três lugares, Amarantys permanecia em silêncio, meio pensativa. Do outro lado, Drakonyh estava em pé, recostado mansamente na parede, onde apoiava levemente um de seus pés. De braços cruzados, seu rosto deixava transparecer um fisionomia relaxada, e quem olhava para ele naquele momento, poderia ter a impressão de que soltava um leve sorriso irônico. Ele olhou para a Arqueira, e ela então percebeu que estava sendo observada pelo Espadachim Arcano.
- Ainda preocupada com aquele pessoal que encontramos nas montanhas, não é? – perguntou Drakonyh, com um leve sorriso de canto de boca. Sorria porque sabia que sua própria pergunta era redundante, pois ele sabia perfeitamente da resposta da Arqueira.
- Sim, você sabe muito bem disso – respondeu Amarantys, baixando o olhar para o chão.  – Queria ter certeza de que eles estão bem, se eles conseguiram chegar aqui na cidade sãos e salvos.
- Eu já disse para você não se preocupar. Quando menos esperar, a gente acaba se esbarrando com eles por aí. Você se preocupa demais.
- E você é despreocupado demais. – respondeu secamente Amarantys, meio chateada por constatar que ela era realmente a única a se preocupar com o grupo deixado para trás. – Mesmo já conhecendo você há algum tempo, não consigo entender como você consegue ser assim, sempre tão relaxado.
- Não se ofenda com o que vou dizer... – Drakonyh simulou um ar pensativo, mas na verdade demonstrava apenas olhar para o tempo de maneira irônica.
- Eu suporto, vá em frente – disse Amarantys, aproveitando aqueles segundos de silêncio no diálogo.
- Preocupação é para os fracos de espírito.
- Fracos de espírito? – Amarantys conteve o tom de voz, e ficou indignada com o comentário do amigo Espadachim. Levantou-se e caminhou em direção de Drakonyh, cerrou os olhos de forma ameaçadora em sua direção, encarando-o de perto. – Drakonyh, você me conhece muito bem e sabe que eu costumo me preocupar com as pessoas. Quer dizer que só porque eu penso assim, eu posso me considerar uma pessoa fraca de espírito?
Drakonyh manteve-se impassível diante dela, e continuava com aquele sorriso de canto de boca insistente.
- Não disse que você é fraca. Eu disse que preocupação é para os fracos de espírito. Quem se preocupa demais, perde o foco de seus objetivos.
- Pois fique sabendo que eu não perco o foco de meus objetivos – retrucou contrariada Amarantys, cruzando os braços.
- Novamente, eu não falei de você. – Drakonyh percebeu que Amarantys estava ficando realmente chateada com toda aquela conversa e procurou dar um fim à discussão. – Amara, procure relaxar – respondeu sorrindo o Espadachim. – Eu apenas disse aquela frase porque penso na vida sempre como um desafio que superamos quando queremos.
Um breve silêncio pairou no ar entre os dois, enquanto alguns outros recrutas graduados passavam por ali pelo corredor. Logo em seguida, Drakonyh retomou a conversa, dessa vez mudando um pouco de assunto.
- O que você precisa, Amarantys, é manter seu foco, pois eu tenho certeza que o Intrutor Oficial nos chamou aqui hoje de manhã para nos convocar para alguma outra missão.
- Eu sei disso... Provavelmente outra missão por essas montanhas geladas de Tundra Infame. – disse Amarantys, aparentando estar meio contrariada por considerar a possibilidade de terem que enfrentar o clima gelado das montanhas.
Drakonyh, sempre com um sorriso sutil na boca, descansou suas mãos nos bolsos de seu fardão e caminhou calmamente em direção às janelas que ficavam um pouco acima da altura de seus ombros e deu uma olhada para o céu nublado.
- Até que hoje o dia parece estar mais aberto. Pelo menos hoje mais cedo eu vi o sol aparecer rapidamente por entre as nuvens.
Nesse momento, a porta da sala do Instrutor Oficial O’Conner se abriu, e os dois recrutas graduados que esperavam já há algum tempo serem chamado viram a figura serena do Tenente-Coronel Walkner surgir diante deles.
- Recrutas Graduados Amarantys e Drakonyh, podem dirigir-se à sala do Instrutor Oficial O’Conner. Ele aguarda os dois para a reunião.
Sem muita cerimônia, a Arqueira e o Espadachim entraram, passaram por uma breve ante-sala de secretariado discreta, que na verdade era a sala do Tenente-Coronel Walkner, para então adentrarem na sala de O’Conner. Após as devidas reverências militares, Amarantys e Drakonyh permaneceram de pé, enquanto O’Conner iniciava a reunião com breves explicações acerca do resultado do exame feito pelos pesquisadores de Tundra Infame com o material do sangue de Zumbi recolhido por eles. O instrutor também explanou brevemente sobre a praga desconhecida que estava atacando os habitantes da região,  deixando a todos em estado de alerta, e da deficiência dos cientistas de Tundra Infame em conseguir dar seguimento às pesquisas com a amostra, cujos resultados pareciam ter ligação direta com a doença. Ao final, deliberou oficialmente a missão dos dois recrutas e seus objetivos estabelecidos.
- Levem a amostra do sangue de Zumbi que vocês conseguiram coletar para o pesquisador Heill. Estou liberando para os dois estes cartões de teletransporte. – O’Conner estendeu os cartões para Drakonyh enquanto continuava as explicações – Vocês seguirão para o Portal localizado nos arredores da cidade. Utilizem os cartões para ter acesso, e quando estiverem lá dentro, procurem pela 4ª Porta de Teleporte, aquela que não terá nenhum brasão de cidade. Será essa porta que os levará diretamente para as coordenadas programadas nos seus cartões, um ponto localizado próximo aos subterrâneos da Torre dos Sábios. A partir dessa localização, vocês precisarão ter cuidado.
- Como assim cuidado? – indagou Amarantys, fazendo uma discreta cara de espanto – A missão não é encontrar esse cientista Heill e entregar a amostra para ele?
- Sim... Mas vocês terão certa dificuldade em chegar até Heill.
- Hmm. Já imagino que tipo de dificuldade seja. – disse Drakonyh olhando para a Arqueira, sorrindo enquanto esfregava as mãos num movimento que demonstrava satisfação pelo que o Instrutor Oficial havia dito. Amarantys sabia muito bem o que aquele sorriso do Espadachim queria dizer. – Teremos ação! – o rosto de Drakonyh era pura euforia contida.
- Não iremos teleportar diretamente no laboratório de Heill? – perguntou Amarantys, fazendo um ar de contrariada.
- Não. Mesmo estando cientes da eficiência e confiabilidade do sistema de Teletransportes dos Portais de Nevareth, por medida de segurança, alguns pontos de teleporte não ficam diretamente em seus destinos finais. Para a própria segurança de Heill e pelo incrível valor de suas pesquisas, o teleporte que conduz até ele fica nos arredores do local onde ele montou as instalações de seu laboratório. Então vocês podem deduzir o que encontrarão pela frente.
- Ação! – disse Drakonyh novamente, olhando para a Arqueira, só que dessa vez em tom de sussurro e com um sorriso largo. Amarantys esboçou uma expressão de indiferença antes que O’Conner os dispensasse para iniciarem sua jornada.

A Arqueira e o Espadachim se preparavam mais uma vez para sair em campo para uma nova missão, e nem sequer tinham idéia de que todos os outros jovens recrutas graduados que eles encontraram nas montanhas de Tundra Infame conseguiram chegar em seus destinos sãos e salvos. Mal sabiam eles que ali no mesmo prédio da Central das Forças Armadas, no andar logo acima, naquela mesma manhã, Hevelin aguardava sua hora para se encontrar com o Comandante Oficial Henkoff e relatar como foi sua jornada na missão de confirmar a localização do esconderijo que a Guilda dos Ladrões estava usando para esconder as mercadorias roubadas dos comerciantes daquela região. Também trajava seu fardão de recruta graduado e esperava sozinha e silenciosa no amplo corredor que dava acesso à sala do Comandante Oficial. Passou aqueles breves minutos relembrando do retorno, no dia anterior, à cidade, e da discussão que teve com Mehldrik pouco antes dele seguir em direção à loja de Simon, antigo comerciante conhecido por todos, o respeitável fabricante e vendedor de armaduras e acessórios para guerreiros e guardiões que pediu ajuda ao jovem Guardião para encontrar o amigo Skaild. Estavam se despedindo, quando Hevelin tentou animar Mehldrik, dizendo que ele fez todo o possível para reencontrar Skaild e trazer ele de volta.
- Você fez o mais difícil, que foi resgatar ele daquela mina. – explicava Hevelin.
- Ele deveria estar comigo agora aqui. – resmungou Mehldrik, sempre mostrando-se contrariado quando aquele assunto vinha à tona. – Ele me enganou, o maldito me enganou e agora não faço idéia de onde ele esteja.
- Sabemos que com a Guild dos Ladrões ele não está mais.
- Começo a achar que não foi uma boa idéia a gente se unir... – disse Mehldrik, fazendo um ar pensativo, enquanto olhava para as ruas da cidade e seus habitantes andando de um lado para o outro. Hevelin franziu a testa e fez um ar de espanto, com uma clara expressão de que foi pega de surpresa por aquela afirmação.
- Como assim? – questionou a Duelista.
- Não sei... Quando a gente se encontrou nas montanhas, talvez tivesse sido melhor cada um seguir seu caminho. – Mehldrik agora olhava para Hevelin. – Talvez se a gente tivesse feito isso, tudo seria diferente agora...
- Quer dizer que você acha que a gente ter se unido pode ter sido um erro? – Hevelin continuava um pouco confusa, e mesmo assim tentava entender o que Mehldrik queria dizer a ela.
- Acho que sim. Se eu tivesse seguido meu caminho e você o seu...
- Se cada um tivesse seguido seu caminho... – interrompeu Hevelin - ...ainda assim não dá para você saber o que aconteceria realmente. Você poderia ter conseguido trazer Skaild ou não.
- E você poderia ter encontrado o esconderijo da guild ou não. – disse Mehldrik, buscando completar a lista de resultados possíveis. – Talvez você ter me encontrado tenha facilitado a você completar sua missão.
Hevelin franziu novamente a testa, dessa vez fazendo uma expressão de  irritação pelo que acabava de ouvir do Guardião.
- Como assim facilitado? – a voz da Duelista emanava um tom desafiador. – Você quer dizer que, sem você, eu não teria conseguido completar a missão?
- Você se lembra de quem foi a idéia da gente se unir? – retrucou Mehldrik – A idéia foi sua. Você pode ter lançado essa idéia já considerando a possibilidade de que poderia não ter capacidade de cumprir com a missão.
- O que? – Hevelin subiu o tom de sua voz. Agora mostrava-se visivelmente irritada com a afirmação feita pelo Guardião e o encarava de muito perto. – Então você sempre acreditou esse tempo todo que eu nunca seria capaz de cumprir com minha missão??
- Eu não disse isso. – respondeu Mehldrik, sentindo-se incomodado com aquela discussão entre as pessoas que passavam pela rua.
- Não disse porque não teve coragem esse tempo todo de dizer na minha cara!! – Hevelin demonstrava, pela segunda vez diante de Mehldrik, que não admitia de forma nenhuma que questionassem a capacidade dela em conseguir alcançar os objetivos que lhe fossem estabelecidos. Seu temperamento forte e sua maneira meio grossa e ignorante de discutir opiniões estava novamente à tona naquele momento. Mehldrik procurou intervir, tentando acalmá-la.
- Hevelin, acalme-se! – disse o Guardião de forma contida. – Você está começando a chamar a atenção...
- Para o inferno você e quem quiser ir junto! – esbravejou a Duelista – Eu já te disse que não admito que ninguém duvide de minha capacidade! – Hevelin ficou face a face com Mehldrik, e soltou uma última frase antes de dar as costas para o Guardião e seguir com passos firmes em direção ao prédio do Comando Central das Forças Armadas de Tundra Infame. – Pelo menos, eu tenho coragem suficiente para dizer tudo o que penso.
Absorvida nas lembranças ocorridas no dia anterior, Hevelin foi bruscamente trazida de volta à realidade daquele momento pela voz do Major Dublint chamando pelo seu nome. Ele a convocava para entrar na sala do Comandante Oficial Henkoff.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Capitulo XVII

Lá fora novamente o tempo havia fechado, e ventos intensos anunciavam que mais uma forte nevasca se aproximava do condado. Porém, nenhum anúncio de possíveis tempestades de neve ou qualquer tempo ruim parecia abalar o semblante firme e sério do Comandante Maior das Forças Armadas de Tundra Infame, o Oficial Henkoff, um dos mais antigos e experientes militares ainda na ativa, respeitado e temido por todos os seus soldados subordinados naquela Central. Seu rosto marcado pela linha do tempo e sua barba e cabelos brancos apenas ressaltavam sua carga de experiência por tanto tempo na carreira militar. Entretanto, seu olhar sempre determinado e seu rosto de expressões quase sempre impassíveis mostravam o quanto ele havia conquistado durante todos aqueles anos com força, vigor e honra diante de todos junto às Forças Armadas. Era uma figura imponente, oniciente de todas as suas responsabilidades, sempre buscando defender e proteger todos os civis do Condado e da região de Tundra Infame.
Em sua sala, tudo ostentava certa imponência militar, a começar pelas cortinas e estofados de veludo em tons de vermelho, combinando com o tapete com desenhos sombreados de mosaicos e arabescos nas pontas. Em uma parede, uma lareira não apenas adornava o ambiente como o deixava comodamente aquecido. Na parede oposta, um imensa estante cheia de livros e outros manuscritos raros. No teto, um lustre adornado numa tonalidade de um dourado luminoso completava o ar imponente daquela sala. Sentado confortavelmente em sua cadeira revestida de um tecido de veludo vermelho escuro, Henkoff lia atentamente cada página do imenso relatório que estava sobre sua mesa e que lhe tinha sido enviado mais cedo. Cada linha do que lera o havia deixado preocupado, pois sabia que se tratava de uma situação nova e complicada, e cujos indícios recentes indicavam desdobramentos terríveis. De acordo com o que explicava o relatório entregue em suas mãos, uma praga desconhecida vinha assolando os habitantes da região de Tundra Infame nos últimos tempos. Os médicos afirmavam no relatório que nunca haviam visto nada parecido com aquilo antes, após examinarem diversas pessoas contaminadas pela doença. Felizmente, as conclusões indicavam que a doença não era fatal e os sintomas não pareciam ser muito sérios. Entretanto, Henkoff não concordava com as informações contidas no relatório, e considerava que aquela praga, justamente pelo fato de ser contagiosa, merecia uma atenção especial. O relatório trazia diversas outras informações e complementos que validavam sua preocupação. Enquanto lia mais algumas páginas do documento, um jovem recruta secretário bate em sua porta e anuncia a presença do Instrutor Oficial O’Conner. Este entrou e bateu continência ao Comandante, para logo em seguida sentar-se em uma poltrona em frente à mesa de Henkoff.
- O senhor já está ciente da situação, eu creio. – disse O’Conner, num tom levemente indagador.
- Sim, estou ciente – respondeu Henkoff, sem tirar os olhos do documento – Recebi hoje este relatório e estava lendo pela segunda vez. A situação requer uma atenção cuidadosa, O’Conner.
- Acredito que o senhor tenha lido também a parte anexada por último, que mostra o resultado da análise da amostra de sangue de zumbi que dois recrutas graduados convocados nos trouxeram há cerca de dois dias.
- Eu observei também os resultados dessa análise – Henkoff fez um pausa, como que esperando ouvir explicações sobre os resultados obtidos – Gostaria de ouvir um parecer seu sobre essa análise.
- De acordo com as explicações finais dos nossos cientistas, a amostra de sangue parece ser de um Zumbi de uma origem diferente e desconhecida, que não pertence ao grupo de Zumbis que conhecemos e que perambulam por áreas pertecentes em nossa região.
- Isso significa que pode existir não apenas um, mas uma horda desses zumbis diferentes? – questionou Henkoff.
- Acreditamos que sim, Comandante. A análise também menciona a descoberta de uma substância bacteriana extremamente contagiosa, e que pode ter ligação com a praga que vem atacando diversos habitantes de nossa região.
- Deduzimos então que a doença tem ligação direta com esses zumbis cuja origem desconhecemos.
- Exatamente, Comandante – respondeu firmemente O’Conner.
Henkoff fez um ar de profunda preocupação. Após aquela ligeira conversa com O’Conner, ele sentiu que a situação poderia sair do controle se não fossem tomadas providências urgentes.
- Senhor, presumo que estejamos estagnados nas pesquisas, devido a nossa tecnologia limitada. Não podemos ir mais além de onde nossos cientistas conseguiram chegar em suas análises.
Henkoff sabia muito bem o que aquelas palavras queriam dizer. A equipe renomada de cientistas fazia o possível dentro das possibilidades de seus laboratórios, mas havia limitações visíveis na tecnologia de suas pesquisas que os impedia de conseguir mais informações importantes acerca não apenas daquela amostra de sangue, mas também sobre a praga que estava se disseminando pela região. E nesse momento crucial, ele sabia que estava mais do que na hora de solicitar os serviços de um conhecido cientista excêntrico de incrível capacidade de pesquisa que montou seu laboratório em uma área remota e distante do condado. Uma área perigosa, cercada por diversos monstros.
O comandante levantou-se de sua cadeira, e dirigiu-se até a janela. Ficou impassível alguns segundos, pensando e refletindo suas próximas ações, apesar de já saber qual decisão seria tomada por ele. Manteve as mãos atrás das costas, enquanto deliberava para o Instrutor Oficial O’Conner suas próximas instruções.
- Convoque um grupo de recrutas graduados, de preferência aqueles que estiveram envolvidos com a missão de trazer a amostra de sangue. Eles demonstraram competência e eficiência no cumprimento de sua tarefa. Eles agora terão a missão de levar essa amostra para um conhecido especialista nosso, o pesquisador responsável pelas colônias especiais, no laboratório de pesquisas da Torre dos Sábios. – Henkoff virou-se então para o Instrutor Oficial O’Conner e concluiu – Eles devem encontrar Heill.

Vohldrik havia parado no meio da trilha de neve, pois ao olhar para um lado do caminho, conseguiu reconhecer o trajeto que ele e Lehvinia tinham feito assim que saíram do portal de teletransporte. Então, o jovem guerreiro gritou o nome do irmão, que caminhava um pouco mais à frente, chamando sua atenção. Lehvinia, que caminhava ao lado de Vohldrik, olhou para ele e entendeu que realmente era chegado o momento dos dois retornarem para Huan e relatarem todos os detalhes de sua jornada pelas montanhas geladas de Tundra infame para o Capitão Mark. Apesar de todo cansaço e de saberem da frustração de Mehldrik por não terem cumprido objetivamente suas missões, Vohldrik e Lehvinia sabiam que as informações conseguidas por eles seriam extremamente importantes para dar continuidade às investigações do Capitão Mark e do Comandante Oficial Dunhike, da Central das Forças Armadas do condado do Deserto da Lamentação.
- Tem certeza de que não quer vir conosco até o Condado, Vohldrik? – perguntou Mehldrik com certo ar de descontentamente no rosto.
- Não podemos. Devemos retornar para o continente de Huan e relatar nossas descobertas para o Capitão Mark e os oficiais de lá. – disse Vohldrik, meio triste – Eu queria muito retornar, mas não posso.
Lehvinia se aproximou do Guardião e procurou dizer-lhe palavras de incentivo.
- Saiba que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, e que mesmo não conseguindo concluir nossos objetivos, cada um de nós tem informações que serão importantes daqui para frente. – Lehvinia olhava com sinceridade nos olhos de Mehldrik. – Passamos por muitas coisas, e conseguimos superar tudo juntos. Isso, para mim, já nos torna vitoriosos.
- Eu compreendo o que você quer dizer – respondeu Mehldrik – Eu entendo que tudo o que passamos serviu de aprendizado para nosso próprio futuro. Apesar de ainda não admitir realmente nossos fracassos nas missões...
- Não pense assim – interrompeu Lehvinia – Pense apenas que se não fizemos certo dessa vez, teremos outras oportunidades para fazer certo e conseguir alcançar nossos objetivos.
- Nos veremos em breve? – perguntou o Guardião, sorrindo.
- Pode ter certeza que sim – respondeu serenamente a Maga.
- Posso fazer uma breve pergunta? – interrompeu Hevelin, com ar de curiosidade.
- Sim, pode fazer – respondeu Vohldrik.
- Vocês foram designados para uma missão em caráter de urgência, correto?
- Sim, pelo Capitão Mark. – explicou Vohldrik. – Por que?
- Por nada, estava apenas tentando relembrar o nível de prioridade da missão de vocês dois aqui no continente de Midreth.
Vohldrik e Lehvinia entreolharam-se rapidamente meio que sem entender aquela pergunta da Duelista. Por fim, abraçaram-se, despedindo-se em silêncio. Lehvinia e Vohldrik conversaram ainda brevemente com Hevelin antes de seguirem sua jornada de volta ao mesmo Portal que os havia teletransportado para aquelas terras inóspitas e geladas de Midreth.
Mehldrik e Hevelin retomaram sua caminhada pela trilha que conduziria os dois para o Condado de Tundra Infame. Pelo caminho, Mehldrik questionou Hevelin o motivo que a levou a fazer aquela pergunta para seu irmão.
- Perguntei porque eu tenho a impressão de que eles estejam de possa de cartões de teletransporte. Eu não sei se você reparou, mas eles tomaram um caminho que conduz ao Portal de Teletransporte que fica aqui nos arredores do condado.
- Você quer dizer os cartões de teletransporte de uso exclusivo das Forças Armadas? – perguntou Mehldrik.
- Sim, esses mesmos cartões que são utilizados apenas por militares ou soldados em missões especiais. Foi justamente pelo nível de prioridade alta da missão que nem seu irmão e nem Lehvinia puderam ficar aqui no Condado por mais tempo.
- Mas eles foram enviados em missão pelo Capitão Mark.
- O Capitão Mark tem notada influência nos altos escalões das Forças Armadas de Huan. Ele pode ter pressentido a urgência para a missão e deliberou ele mesmo a liberação dos cartões tanto para Vohldrik como para Lehvinia. – explicou Hevelin.
- Fico ressentido apenas por eles não terem concluído a missão deles da maneira como realmente deveria. Assim como eu também não consegui concluir minha missão... – ao final dessa frase, Mehldrik silenciou-se e permaneceu caminhando pensativo. O Guardião e a Duelista permeneceram assim durante boa parte do restante da jornada. No entardecer congelante daquele mesmo dia eles finalmente estavam chegando ao seu destino final, o condado de Tundra Infame.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Capitulo XVI

- Mas o que é isso?... – balbuciou Mehldrik enquanto olhava fixo para o perigo diante deles.
- De onde surgiu isso? – questionou Hevelin, enquanto recuava um pouco já se colocando em posição de ataque.
Estavam todos claramente assustados diante daquele incrível monstro que se agigantou diante de seus olhos de maneira aterrorizante e perigosa. Era um gorila branco, porém ele era absurdamente imenso, quatro vezes maior que os gorilas que eram encontrados naquela região das montanhas de Tundra Infame. Aquele ser descomunal surgiu diante dos jovens, paralisados pelo choque da visão perturbadora. De cima do barranco, o gorila gigante ergueu-se e soltou um urro ensurdecedor, enquanto batia no peito com suas mãos enormes repetidas vezes. Ninguém, naquele momento, sabia o que pensar, principalmente Mehldrik e Vohldrik, que nunca tinham visto antes algo parecido por aquelas montanhas. Algumas vezes, quando crianças, ouviram rumores sobre a existência de um monstro gorila enorme, e tudo ficava apenas como lenda entre os habitantes dos condados, já que ninguém havia conseguido provar a existência de tal monstro. Agora a situação inesperada tomou de surpresa os quatro jovens, atônitos, parados, olhando aquele gorila imenso erguendo-se perigoso diante deles. O monstro tinha uma luminosidade flamejante em seus olhos, e subitamente parou no alto do barranco, enquanto observava fixo para os minúsculos humanos logo abaixo. E então, repentinamente, aquele gorila enorme deu um pulo e desceu pela barranco, indo perigosamente na direção dos jovens. Pelo caminho, o monstro destroçou algumas árvores com uma facilidade absurda, demonstrando uma força fantástica, bem de acordo com seu tamanho agigantado. Mehldrik, Hevelin, Vohldrik e Lehvinia pularam cada um para um canto, caindo desajeitadamente na neve fofa. Não perderam muito tempo, e levantaram-se já em posição de ataque e com suas armas astrais em punho.
- Protejam-se! Não se aproximem muito dele! – gritou Mehldrik, que naquele exato momento percebeu que estava mais do que na hora de enfrentar o perigo usando suas verdadeiras habilidades de Guardião Arcano. Até aquele momento, em todos as situações de perigo nas quais esteve envolvido, havia utilizado mais de habilidades arcanas simples, centralizadas em projéteis mágicos disparados de seu escudo astral. Agora, diante daquela ameaça feroz e devastadora, tinha certeza plena de que teria que usar a sua força verdadeira em batalha, a força de um Guardião através de suas habilidades com sua katana. Fechou os olhos por alguns instantes e concentrou-se, buscando seu poder interior.
O enorme gorila encontrava-se mais perto da Maga e preparou-se para atacá-la quando Lehvinia, logo após canalizar suas magias nos orbes, começou a lançar a uma distância segura projéteis de gelo e fogo alternados, de forma a distrair o monstro e impedir assim que ele conseguisse se aproximar rapidamente.
- Vou tentar manter ele distante o máximo que puder. – gritava a Maga, enquanto disparava seus projéteis em sequências rápidas. Enquanto disparava suas magias, Lehvinia percebeu que o monstro tombava um pouco para trás, mas permanecia impassível, tentando aproximar-se ferozmente deles. – Não consigo deter ele por muito tempo!
Vohldrik percebeu que seu irmão estava concentrado, buscando transceder seu poder arcano interior, e então decidiu por conta própria intervir na situação para livrar Lehvinia do perigo iminente. Empunhando sua montante, velozmente e de forma inacreditavelmente ágil, saltou entre os troncos de árvores próximas, indo em direção ao perigo desafiador. Então saltou muito perto do gorila, e a poucos metros, parou diante dele, e saltou no ar corajosamente rodopiando. Ao cair no chão, cravou determinado sua montante na terra, como que buscando o poder da terra, e então ergueu sua poderosa arma fazendo o chão de abrir próximo ao gorila e acertando com um golpe certeiro. Dessa vez o monstro tombou alguns metros para trás, atingindo mais árvores que estavam mais atrás. Vohldrik permaneceu em seu lugar, segurando sua montante, enquanto Lehvinia, que até então não havia parado de lançar seus projéteis, cessou sua ataque ao ver o monstro caído no chão. Porém, o gorila ergueu-se completamente possesso de fúria, com seu olhar cada vez mais aterrorizante. Vohldrik preparava-se para lançar outro golpe contra o monstro, mas esse foi mais rápido dessa vez, e o atingiu com seu enorme braço, fazendo com que o jovem guerreiro voasse alguns metros, atingindo o tronco grosso de um pinheiro.
- Vohldrik! – gritou Mehldrik assustado, agora de pé, empunhando desafiadoramente sua katana e seu escudo astral.
- Eu estou bem! – disse Vohldrik, enquanto se levantava um pouco tonto ainda. – Ele pensa que pode me derrubar assim tão fácil.
Lehvinia iniciou novamente a sequência de projéteis de gelo e fogo contra a enorme aberração, enquanto Hevelin partiu em direção ao gorila, cujos olhos pareciam queimar com aquela sua luminosidade vermelha. A duelista empunhou suas katanas, e estava atento aos ataques do monstro, esquivando-se com uma rapidez surpreedente dos pedaços de troncos de árvores que eram arremessados contra ela. Assim que conseguiu aproximar-se, projetou seus golpes certeiros, a Espiral Fantasma e o Corte da Lua Gêmea, deixando o monstro atordoado um pouco, mas não o suficiente. Transtornado pelos ataques da duelista, o gorila também acabou atingindo Hevelin com seu punho fechado, o que fez a duelista voar diretamente de encontro às árvores, caindo desacordada.
- Hevelin! – Lehvinia soltou um grito. Pressentiu a gravidade da situação, e assim que parou de atacar o gorila, teleportou-se para o local onde a duelista estava caída inerte. Mehldrik correu ao encontro das duas e questionou a maga a respeito de Hevelin.
- Ela está bem? – perguntou Mehldrik enquanto examinava o pulso da duelista.
- Está apenas inconsciente. Mesmo assim, vou ministrar uma cura regenerativa nela, para reverter qualquer dano que ela tenha sofrido. – explicou Lehvinia.
Mehldrik virou-se e viu seu irmão que tentava distrair o gorila, correndo para o lado oposto onde se encontravam. O Guardião então ergueu-se e correu na direção do monstro.
- Vohldrik, distraia ele o máximo que você puder! Esgote as forças dele para que eu possa atacá-lo somente uma vez e acabar com ele – gritou Mehldrik, enquanto corria na direção da batalha.
- Não será muito difícil! – respondeu Vohldrik, que depois da queda diante do primeiro ataque do gorila, estava agora mais atento e esperto, não deixando o imenso peludo o atingir novamente. Desferiu mais alguns golpes com sua montante, fazendo o monstro tombar de lado ferido dessa vez. Quando percebeu seu irmão aproximando-se, afastou-se e deu espaço para as investidas poderosas do Guardião Arcano.
Mehldrik começou a sentir sua energia arcana fluindo no braço em que empunhava sua katana, uma energia que precisava ser liberada de alguma forma. Aproximou-se do enorme monstro feroz, e imediatamente arrastou a ponta de sua katana no chão ao seu redor, criando uma espécie de círculo faíscante e luminoso que o envolveu semicircularmente da direira para esquerda. Sua força arcana se intesificou e pulsou com força dentro de seu íntimo, e Mehldrik soltou o golpe de baixo para cima, atingindo o enorme macaco peludo em cheio, mas este ainda conseguiu se projetar para frente, suportando o golpe, e mesmo ferido tentou acertar Mehldrik com seu enorme punho fechado com golpes que pareciam imensas marteladas perigosas que apenas acertaram o chão, rachando tudo ao redor. O jovem Guardião desviou-se das investidas do gorila, não hesitou e continuou com seu ataque, e dessa vez aplicou no monstro o golpe Tempestade da Destruição. Atacou implacavelmente o gorila, não dando a este qualquer chance de um contra-ataque. Sua katana parecia ter vida própria, desferindo contra o inimigo golpes incrivelmente rápidos e tão poderosos que acabavam gerando uma confluência de raios que atingiam mortalmente o monstro. Completamente ferido e com as forças esgotadas pelo ataque de Mehldrik, o imenso gorila permaneceu alguns segundos imóvel. Seus olhos, antes luminosos e flamejantes, agora estavam negros e apagados, e então finalmente o gigante peludo tombou morto para trás. Mehldrik havia parado de golpeá-lo, e afastou-se a tempo de ver o perigoso monstro cair como uma pedra enorme bem à sua frente.
Vohldrik aproximou-se do irmão, que agora demonstrava certo cansaço físico pela sequência de golpes desferidos utilizando-se de sua força arcana interior, e perguntou-se se ele estava bem. Mehldrik, com a respiração um pouco ofegante, olhou para o seu irmão guerreiro e apenas acenou com a cabeça em sinal afirmativo. Observaram silenciosos durante um certo tempo o imenso corpo do gorila morto caido na neve, e então voltaram caminhando para onde estavam Lehvinia e Hevelin, que já estava consciente, mas permanecendo sentada, queixando-se estar meio tonta ainda.
- Ela está bem, apenas tonta ainda pois o golpe foi muito forte – explicava Lehvinia, enquanto terminava de ministrar seu poder de cura regenerativa na duelista.
- Estou preocupado. – disse Mehldrik – Precisamos sair daqui o mais rápido possivel. Não sabemos o quanto essa batalha aqui possa ter atraido a atenção de gorilas próximos.
- Hevelin consegue se levantar? – perguntou Vohldrik
- Acho que consigo sim – respondeu a duelista, tentando ficar de pé – Estou melhor, graças a Lehvinia. Mas Mehldrik tem razão. Temos que sair daqui antes que outros gorilas apareçam.
- Igual àquele ali creio que não deva aparecer. Eu acreditava que esse gorila imenso não passasse de uma lenda criada por todos daqui da região. Nunca cheguei a ver um desses, até hoje... – Mehldrik novamente olhou para o local onde o monstro jazia morto – Por um momento cheguei a pensar que não conseguiria acabar com ele.
- Felizmente você conseguiu, mano – disse Vohldrik sorrindo, tentando animar o irmão – E estamos todos vivos, agora só precisamos nos apressar e chegar logo ao condado, pois não estamos muito longe.
- Só precisamos sair das montanhas e encontrar a estrada que leva até Tundra Infame. – disse Lehvinia.
- Não devemos estar muito distante – afirmou Mehldrik – Devemos continuar naquela direção, e em mais algumas horas de caminhada alcançaremos a estrada.
Passado mais alguns momentos, Hevelin confirmou a todos estar mais disposta. A tontura havia passado, e ela sentia-se revigorada novamente, após ser tratada com a cura regenerativa de Lehvinia. Olharam ao redor uma última vez, pois queriam ter certeza de que não seriam novamente pegos de surpresa por algum outro tipo de perigo iminente. Mehldrik observou por entre as árvores, e viu o ponto exato onde estavam conversando antes do momento em que o enorme gorila havia surgido. Então apontou a direção a ser seguida, chamando os demais para não perderem mais tempo parados ali.

domingo, 18 de abril de 2010

Capítulo XV

O dia parecia ter clareado naquele momento por sobre o Condado de Tundra Infame. A nevasca cessou, tempo abriu, e as nuvens se afastaram, abrindo espaço para as paisagens distantes se discortinarem no horizonte distante. Da janela de seu escritório no prédio do Comando Central das Forças Armadas de Tundra Infame, o Instrutor Oficial O’Conner apreciava os montanhas distantes que rodeavam todo o condado. Observava toda aquela paisagem pensativo, enquanto degustava uma xícara de chá quente. Atrás de si, sobre sua mesa, uma pilha de papéis indicavam que seu trabalho era realmente constante e interminável. Convocações de recrutas pendentes, processos de missões em aberto, liberação de cartões de teletransporte de uso exclusivo das forças militares. Tudo para ser analisado, revisto e liberado após sua assinatura. O’Conner virou-se e olhou a pilha de papéis diante de si, soltou um suspiro e voltou seu olhar para as montanhas ao longe. Degustou mais um gole de chá, enquanto imaginava como estaria o andamento das últimas missões as quais considerava as mais importantes até o momento. Os recrutas graduados que ele havia convocado tinham deixado Tundra Infame há alguns dias e desde então não tivera mais qualquer notícia ou retorno sobre os progressos feitos. Estava um pouco temeroso quanto ao desenrolar dos fatos, mas continuava com um olhar impassível em um rosto que não deixava transparecer qualquer sinal de um possível sentimento de insegurança quanto às suas decisões tomadas. Imerso em seus pensamentos, concentrava-se nas próximas ações que tomaria caso as missões falhassem, quando alguém bateu em sua porta. Era um jovem recruta trazendo notícias. Após bater leve continência, permaneceu próximo à porta.
- Oficial O’Conner, acabamos de ser informados que os recrutas graduados convocados pelo senhor para uma missão aqui no continente acabaram de retornar.
Ao ouvir essa notícia, O’Conner permaneceu imóvel, olhando pela janela. Sentiu certo alívio ao saber do retorno dos recrutas, apesar de não saber se a missão foi bem sucedida ou não.
- Eu agradeço a informação, meu jovem. Avise a eles que já estou a caminho para falar com ele. Conduza-os até a sala de reunião.
Assim que o jovem recruta deixou sua sala, ele virou-se e sentou em sua cadeira. Calmamente, revistou a pilha de papéis sobre a mesa, procurando o documento de uma missão em específico. Assim que achou, abriu a pasta e fez uma breve leitura de todos os procedimentos da missão, bem como dos recrutas graduados que haviam sido convocados. Era uma tarefa arriscada e difícil, e O’Conner sabia perfeitamente que poderia sofrer perdas caso os recrutas não tivessem êxito. Todos na região do condado estavam em perigo com aquelas hordas de zumbis se aproximando cada vez mais. Mais uma vez olhou atentamente para o documento da missão. Ali estavam os nomes dos dois recrutas graduados convocados. Eram Drakonyh, da região de Spine, e Amarantys, da região de Areshand, ambos no Continente de Pastur.
O’Conner levantou-se, ajeitou-se em seu fardão militar, deixou seu escritório e se dirigiu então para a Sala de reuniões um andar abaixo. Ao chegar à porta, um soldado que estava de prontidão à entrada bateu continência e deu passagem para o Instrutor. O ambiente tinha poucos móveis, uma mesa redonda ao centro com alguns assentos, e era bem iluminado pelas janelas altas. Ao perceberem a entrada de O’Conner no recinto, Drakonyh e Amarantys levantaram-se em sinal de respeito, mas não bateram continência. O Instrutor Comandante de Tundra Infame aproximou-se dos dois na expectativa de receber boas notícias sobre a missão. Não demorou em iniciar a conversa.
- Recruta Drakonyh, recruta Amarantys. Sejam bem vindos de volta. Confesso que fiquei apreensivo com o desfecho da missão que foi confiada a vocês dois, dado o grau de perigo da mesma.
- Comandante, informamos ao senhor que obtivemos êxito no objetivo da missão e conseguimos coletar a amostra de sangue. – disse Drakonyh num tom de voz formal. Logo em seguida, Amarantys estendeu a mão, mostrando o pequeno frasco transparente contendo um líquido vermelho viscoso, entregando-o para O’Conner.
- Não tivemos dificuldades em encontrá-los – comentou a jovem arqueira.
- Então as informações referente a localização da horda de zumbis de fato procedia? – perguntou o Comandante Instrutor.
- Exatamente – respondeu Amarantys – Nós os encontramos mais próximos dos limites das colônias da região, como informava os relatórios anteriores.
- As hordas que encontramos eram realmente muito numerosos em zumbis, senhor - disse Drakonyh – Isso confirma também a informação de que a população deles tem crescido vertiginosamente.
Enquanto ouvia as explicações dos dois, O’Conner pegou delicadamente o pequeno frasco transparente e o levantou diante de seu rosto, colocando-o contra a claridade que vinha das janelas. Olhou atentamente e de perto o líquido vermelho, que deixava levemente resplandecer uma sutil luminosidade.
- Senhor, durante nossa missão encontramos um outro grupo nas montanhas da região. Segundo nos relataram, eles estavam seguindo rastros de pessoas desaparecidas. – revelou Drakonyh.
O Instrutor Comandante esboçou uma leve expressão de surpresa em seu rosto, como se aquela informação dita pelo Espadachim o fizesse lembrar de algo importante relacionado a algumas outras missões das quais tinha conhecimento. Entretanto, não se aprofundou em questionamentos referentes àquele comentário feito por Drakonyh, pois sua atenção estava voltada para a missão bem sucedida daqueles recrutas graduados.
- Realizaram sua missão de forma extremamente competente – disse O’Conner de maneira contida – Agora enviaremos essa amostra coletada para nossa equipe de cientistas examinarem. E precisarei de um relatório completo de vocês sobre esta missão para o mais breve possível.
Dito isso, o Instrutor Comandante guardou o minúsculo frasco em um bolso de seu fardão e retirou-se da sala. Assim que O’Conner não estava mais presente, Drakonyh soltou um suspiro e cruzou os braços, mostrando um claro comportamento de descontentamento com relação ao último pedido do Comandante.
- Eu odeio essa parte burocrática – resmungou em voz baixa. – Deixo isso para você, Amarantys. – o Espadachim soltou um leve sorriso de canto de boca.
- Você, como sempre, fugindo das responsabilidades. – retrucou Amarantys.
- Não me interessa todas essas papeladas. O que importa pra mim é estar em campo, enfrentando desafios, colocando minhas habilidades em prática. Afinal, não aprendi tanta coisa pra ser desperdiçada assim, não é mesmo? – continuou sorrindo o Espadachim.
- Debochado como sempre. – respondeu Amarantys, enquanto se dirigia para a janela e observava os prédios de Tundra Infame e as montanhas que cercavam aquele condado. – E quanto ao pessoal que acompanhamos? Será que foi certo o que fizemos?
- Você se preocupa demais. Eles conseguirão chegar aqui no condado, todos são corajosos e determinados.
- Eu me preocupo porque tudo o que aconteceu estará em nosso relatório. Não podemos omitir os fatos, principalmente porque informamos o Comandante O’Conner a respeito. E se eles não conseguirem sobreviver? – explicou Amarantys.
- Então você acha que não foi uma boa idéia termos relatado esse encontro com o Comandante? – questionou Drakonyh.
- Não tenho certeza, mas se eles não conseguirem chegar no condado, o Exército vai investigar e nós estaremos no meio dessas investigações. E isso pode não ser bom para a gente.
Amarantys e Drakonyh se entreolharam por alguns segundos e parecem ter chegado às mesmas conclusões. Ambos tinham suas ambições pessoais de carreiras promissoras dentro das Forças Armadas e aquele fato em especial poderia ser uma mancha em seus currículos.
- Deveríamos ter ficado com eles e seguido todos juntos. – balbuciou Amarantys. – Acho que nossa decisão foi errada. E agora temos que torcer para que eles consigam chegar aqui em segurança. – A arqueira permaneceu olhando pela janela durante algum tempo para as montanhas no horizonte, aquelas mesmas montanhas onde agora caminhavam Mehldrik, Hevelin, Vohldrik e Lehvinia, tentando transpor todos os obstáculos para chegarem o mais rápido possível ao condado de Tundra Infame.
Os quatro caminhavam com dificuldade pela neve espessa que cobria os caminhos entre as montanhas altas. O tempo havia melhorado um pouco, mas não o suficiente para facilitar a locomoção por aquelas estradas. O jovem guerreiro caminhava ao lado do irmão e o questionou sobre a decisão tomada por Mehldrik sobre a utilização das pedras guia.
- Tem certeza de que era aquilo mesmo que deveria ser feito? Entregar as duas pedras para aquele Espadachim e aquela Arqueira?
- Eles estavam em uma missão importante e tiveram êxito. Coletaram um material valioso para pesquisa e precisavam voltar logo para o condado. – explicava Mehldrik – Considero justo, já que não tivemos a mesma sorte com nossas missões. Eu precisava resgatar e levar Skaild em segurança de volta ao condado e falhei. Você e Lehvinia não conseguiram encontrar Kashu.
- Mas temos informações importantes – respondeu Vohldrik – Você e Hevelin confirmaram o local do esconderijo da Guild dos Ladrões e as Forças Armadas de Tundra Infame poderão agir e prender todos os que ficaram soterrados e presos naquela mina.
- Não acho isso suficiente. Skaild tinha informações realmente importantes que podem esclarecer os desaparecimentos em toda Nevareth, e deixamos ele escapar.
- Seu irmão não precisa ficar se culpando pelo que aconteceu. – disse Lehvinia, que acompanhava os irmãos de perto e escutou a conversa deles. – O esforço dele foi recompensado com as informações que conseguimos, como a confirmações do esconderijo, e o resgate de Skaild. Sem a determinação e a coragem dele e de Hevelin, acredito que Skaild estaria preso até agora e sob risco de morrer nas mãos dos ladrões.
- Eu discordo – retrucou Helevin, que caminhava um pouco mais distante – Tinhamos missões a cumprir, e não conseguimos cumprir nossos objetivos. Em parte eu entendo o que Mehldrik quer dizer.
Mehldrik parou de caminhar, parecendo sentir-se incomodado com aquela conversa toda. Todos pararam um pouco surpresos, sem saber o motivo daquela atitude do jovem Guardião. Ele então decidiu dar um ponto final naquele assunto. Virou-se para os outros com o intuito de esclarecer possíveis dúvidas referentes às decisões tomadas por ele, principalmente no que dizia respeito sobre ter dado as duas pedra guias para Drakonyh e Amarantys.
- Entendam de uma vez por todas. Nós não conseguimos concluir nossas missões, diferente de Drakonyh e Amarantys. Eles tinham um material importante em mãos que deveria chegar o mais rápido possível ao Condado. Nós falhamos em missões que nos foram confiadas por pessoas importantes em Nevareth.
- Mas conseguimos informações importantes – disse Lehvinia.
- Skaild era mais importante do que todas essas informações que temos agora. Ele sabe de muita coisa que não sabemos... – havia algo de tenso na voz de Mehldrik, e sua última frase foi seguida por um silêncio enigmático, como se cada um ali estivesse procurando entender o posicionamento e o pensamento do outro sobre o assunto. Mas o tempo foi passando, e aqueles segundos de silêncio se tornaram mais enigmáticos ainda. Todos se entreolharam confusos, pois eles pareciam não estar mais pensando sobre o assunto, mas sim, tentando decifrar um barulho meio rouco e abafado que parecia distante, mas que crescia gradativamente. Parecia um rugido, e estava ali próximo.
- Acho melhor a gente discutir isso depois. – disse Vohldrik, enquanto olhava fixo para algo enorme que surgiu em um barranco logo acima deles.
Todos seguiram o olhar fixo de Vohldrik e olharam para trás. Eles não podiam acreditar no que estava diante deles.