quinta-feira, 6 de maio de 2010

Capitulo XIX

Mehldrik caminhava pensativo, lembrando daquela discussão que Hevelin havia propiciado entre eles dois, achando completamente desnecessário tudo aquilo que havia ocorrido no dia anterior. Envolvido em seus pensamentos, avistou uma placa de madeira sustentada por uma firme haste de aço que começava a balançar ao sabor do vento, dando sinal de que o tempo poderia fechar a qualquer momento. Naquela placa podia ser lida a inscrição “Refúgio de Keller”, o que de fato era uma verdade, já que aquele local era uma aconchegante taberna onde as pessoas costumavam parar e passar alguns momentos conversando em um ambiente bem aquecido por uma imensa lareira, enquanto degustavam bebidas quentes e saborosamente exóticas servidas pela Alquimista Keller, proprietária do lugar. Mehldrik ouvira falar dessa taberna, bem como da boa reputação de sua dona, mas nunca havia parado no local. Estava indo para a Loja do amigo Simon, e pelo caminho passou diante do tal “Refúgio de Keller”. Olhou para cima, enxergando a placa que balançava, parando bruscamente, como que surpreso por encontrar aquela taberna naquele momento diante de si. Começava a nevar timidamente, e o Guardião olhou pela vidraça das janelas de madeira com atenção tentando visualizar o ambiente lá dentro.  Viu algumas pessoas sentadas em bancos, também de madeira bem trabalhada e extremamente fortes, bebendo e conversando próximas à lareira. Mehldrik então decidiu entrar para beber algo antes de encontrar-se com Simon.
Empurrou a porta-balcão e incrivelmente sentiu a diferença de temperatura. Apesar do tempo frio e da neve lá fora, a taberna mantinha-se incrivelmente aquecida, o que realmente poderia explicar o motivo pelo qual o “Refúgio de Keller” vivia sempre cheio e movimentado. Mehldrik escolheu uma mesa qualquer e acomodou-se, enquanto observava os estandartes de tecidos azuis com detalhes de desenhos em espirais e círculos alquímicos pendurados, decorando o ambiente em alguns cantos. Não demorou muito para uma mulher calmamente aproximar-se dele. Keller era uma jovem alta e magra compondo uma beleza singularmente sinuosa e esbelta. Seus cabelos eram de um azul quase prateado e curtos na altura da nuca, escondidos por um gorro-chapéu marrom escuro de lã. Vestia trajes que combinavam praticidade e conforto, como um colete de couro cru marrom escuro que cobria seu corpo dos ombros até a altura de seus joelhos e a mantinha bem aquecida, além de luvas que cobriam seus braços, e as botas que cobriam suas pernas até a altura da canela, ambos feitos também de couro cru, num cinza azulado. Keller usava também uma fivela de metal prendendo duas espécies de aventais que cobriam lateralmente suas pernas.
- Olá, seja bem vindo. – disse Keller com um sorriso jovial. – Eu sou Keller, proprietária desse caloroso refúgio.
- Olá, eu sou Mehldrik. – respondeu o Guardião, economizando nas palavras.
– Não lembro de ter visto você por aqui antes. – Keller puxava conversa, demonstrando ser uma pessoa comunicativa e expansiva para fazer novas amizades.
- É, eu nunca estive aqui antes. Estava passando e decidi entrar para beber algo.
- Então você veio ao lugar certo. Eu sirvo aqui diversos tipos de bebidas e ainda preparo misturas exclusivas e exóticas. – enquanto falava sobre as incríveis bebidas alquímicas que sua taberna oferecia, Keller gesticulava de uma forma cativante e envolvente. Seus movimentos não eram bruscos, e sempre abria os braços como que demonstrando toda sua simpatia e receptividade com os seus clientes. Em determinados momentos, colocava uma mão na cintura enquanto a outra apontava o dedo para o ar, balançando levemente, enquanto ela sorria em sua direção contando as maravilhas milagrosas que suas bebidas provocavam naqueles que as degustavam. – Você não imagina o que está perdendo então, rapaz.  Vou preparar algo exclusivo que vai revigorar sua força interior. Espere que já volto.
Mehldrik realmente estava se sentindo bem naquele ambiente e simpatizou-se com a conversa descontraída de Keller que fazia qualquer um acreditar que já a conhecia há muito tempo, como uma amizade antiga. Mehldrik acabara de ter essa mesma sensação, e enquanto Keller se afastava para ir preparar sua bebida, ele soltou um sorriso sutil e balançou a cabeça levemente. Não demorou muito e Keller voltava trazendo numa bandeja uma caneca com uma bebida quente e amarronzada. Mehldrik recebeu a caneca e sentiu o aroma convidativo, para em seguida tomar o primeiro gole.
- Uma delícia revigorante, não é? – perguntou sorridente Keller, observando atentamente a reação do Guardião.
Mehldrik degustou o sabor único daquela bebida e concordou afirmativamente, chegando a fazer um certa expressão de espanto pois instantâneamente sentiu-se com as energias revitalizadas por completo, como se naquele exato momento pudesse sair andando pelas montanhas durante dias sem se cansar.
- Algumas bebidas que faço são energéticas, outras revitalizantes, e tem algumas especiais que revigoram completamente sua força arcana interior. – explicou Keller, sempre expansiva em seus gestos calmos. – Não é algo maravilhoso?
- Sim. – respondeu Mehldrik, percebendo que a Alquimista conversava bastante, bem mais do que ele. – Sua bebida é muito boa.
- Desculpe perguntar, mas qual é seu nome mesmo? – Keller fez um trejeito de quem estava meio sem graça pela pergunta. Colocou uma mão na cintura e a outra coçava a nuca discretamente.
- Mehldrik. – respondeu o Guardião enquanto tomava outro gole da bebida.
- Não repare, mas eu sou assim meio esquecida das coisas, não consigo guardar nomes de pessoas e lugares. Eu desconfio que meu cérebro está congelando por conta do clima gelado, e está me fazendo esquecer das coisas. – Keller sorriu e prosseguiu falando – Mas mesmo assim eu adoro Tundra Infame, amo todo esse lugar coberto de neve. Adoro essa movimentação de pessoas indo e vindo, adoro criar bebidas diferentes para todos que aqui aparecem na taberna.
- As pessoas devem gostar muito de suas bebidas. – comentou Mehldrik.
- Muito! Elas adoram muito!
- Dá para perceber pela movimentação aqui. – disse Mehldrik, enquanto olhava o ambiente.
- Mas nem sempre foi assim. – Keller soltou um suspiro, cruzando os braços logo em seguida – No início eu era pouco conhecida, e não havia muitos clientes para quem servir meus elixires, então já dá para imaginar como o era o movimento aqui. Muito parado. Naquela época eu quase nem vivia ocupada com o estabelecimento como hoje.
A Alquimista fez uma pausa brevíssima, como que tentando lembrar-se de algo ou alguém.
- Naquela época até tive tempo para atender a um pedido de um amigo meu.
- Que pedido? – perguntou Mehldrik.
- Esse meu amigo... Como era mesmo o nome dele?... Bom, não importa. Esse meu amigo trouxe um garoto aqui e me pediu para que eu cuidasse dele. Coitado, o menino tinha perdido os pais dele quando monstros invadiram a vila onde eles moravam. Qual era mesmo o nome daquele garoto?... – Keller fez nova pausa, colocando a mão no queixo. – Ah, sim, agora me lembro. Seu nome era Patren. Graças aos céus, não esqueci o nome dele. – A Alquimista sorriu.
- Você cuidou do garoto?
- Cuidei durante algum tempo, era um bom garoto, educado e prestativo. Senti muito quando ele teve que partir novamente. Uma vez recebi uma carta dele onde ele dizia que tinha feitos muitos amigos em sua jornada e que estava feliz. Uma pena eu não saber hoje onde ele está. – Keller esboçou um leve ar pensativo ao relembrar do jovem garoto que havia cuidado.
- Provavelmente hoje ele deve estar bem e agradecido por você ter cuidado dele por algum tempo. – disse Mehldrik, tomando o último gole da bebida. Aquele comentário dele trouxe a Alquimista de volta de suas recordações. Ela soltou um sorriso tímido.
- Peço novamente desculpas... – Keller novamente havia se esquecido do nome do Guardião e disfarçou a pausa rápida na frase até lembrar como ele se chamava. – ...Mehldrik! Boas lembranças me invadiram agora.
- Não precisa se desculpar. Recordações são criadas para serem lembradas sempre que pudermos. – Mehldrik sorriu levemente, e se levantou. – Sua bebida estava ótima, e a conversa também. Gostaria de ficar mais  um pouco, mas tenho que ir.
- Não seja por isso. Sempre que quiser, pode voltar, você será sempre bem vindo.
Mehldrik pagou pela bebida, despediu-se de Keller, e prometeu que voltaria mais vezes ao “Refúgio”. Logo em seguida saiu com passos rápidos para se encontrar com o Amigo Simon.

Distante dali, na Central do Comando das Forças Armadas de Tundra Infame, na sala do Comandante Oficial Henkoff, Hevelin terminava de relatar como havia sido sua missão de confirmar o esconderijo secreto da Guilda dos Ladrões. Após ouvir atentamente, Henkoff fez um ar de aprovação, satisfeito pelo fato de ter escolhido a Duelista para realizar tal missão. Parabenizou Hevelin para logo em seguida tecer seus comentários.
- Sua coragem e determinação em alcançar o objetivo da missão nos trouxe resultados positivos. Com a confirmação do esconderijo da Guilda dos Ladrões, vou deliberar uma tropa de Resgate até a montanha com o objetivo de procurar sobreviventes no soterramento.
- Acredito que os ladrões tenham sobrevivido e estejam ainda presos na mina. – explicou Hevelin.
- Nesse caso, se houver sobreviventes, todos serão resgatados e presos. – afirmou o Comandante, levantando-se de sua cadeira. Caminhou calmamente até a lareira e ficou um breve tempo diante do fogo que crepitava. Logo acima, havia um enorme quadro com o mapa detalhado do Continente de Midreth. Henkoff virou-se então para Hevelin, que permanecia de pé em posição de sentido.
- Então você encontrou o Guardião Mehldrik em missão nas montanhas?
- Sim, Comandante. Ele estava em missão de busca e resgate de alguém chamado Skaild. Porém, o mesmo acabou escapando para destino ignorado.
- Nesse caso, meu velho amigo Simon não receberá boas notícias de Mehldrik. Uma pena, pois eu garanti a ele que Skaild seria trazido são e salvo para Tundra.
Hevelin ficou surpresa ao ouvir o que o Comandante dizia naquele momento.
- O senhor sabia dessa missão de Mehldrik desde o início então?
- De fato, eu sabia. Simon me procurou solicitando ajuda do exército para interceder em favor de Skaild. Então eu orientei ele para que procurasse Mehldrik e destinasse a missão para ele. – Henkoff silenciou repentinamente, virou-se e voltou para sua mesa. Pegou uma pasta e por alguns instantes observou os documentos em suas mãos. Sem tirar os olhos dos papéis, informou para Hevelin que ela estava convocada imediatamente para uma nova missão.
- Recruta Graduada Hevelin, foi deliberada hoje pela manhã para você uma nova missão. Você deverá partir imediatamente com o grupo que está de saída. – O Comandante Oficial retirou de dentro da pasta um cartão de teletransporte e o entregou para a Duelista, ao mesmo tempo em que explicava para ela que todos os detalhes de sua missão seriam repassados pelos membros do grupo que faria parte.
- E quem devo procurar? – indagou Hevelin.
- Você deve procurar os Recrutas Graduados Amarantys e Drakonyh. Sua nova missão será com eles.
Hevelin ficou imóvel e com um leve ar de espanto. Ela não estava acreditando no que acabara de ouvir.

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