terça-feira, 4 de maio de 2010

Capitulo XVIII

 Drakonyh e Amarantys estavam muito bem arrumados vestindo seus fardões de recrutas graduados, enquanto aguardavam no extenso corredor iluminado pela claridade tímida daquele dia que atravessava as janelas daquele andar que dava acesso à sala do Instrutor Oficial O’Conner. De um lado, sentada em um banco de madeira de três lugares, Amarantys permanecia em silêncio, meio pensativa. Do outro lado, Drakonyh estava em pé, recostado mansamente na parede, onde apoiava levemente um de seus pés. De braços cruzados, seu rosto deixava transparecer um fisionomia relaxada, e quem olhava para ele naquele momento, poderia ter a impressão de que soltava um leve sorriso irônico. Ele olhou para a Arqueira, e ela então percebeu que estava sendo observada pelo Espadachim Arcano.
- Ainda preocupada com aquele pessoal que encontramos nas montanhas, não é? – perguntou Drakonyh, com um leve sorriso de canto de boca. Sorria porque sabia que sua própria pergunta era redundante, pois ele sabia perfeitamente da resposta da Arqueira.
- Sim, você sabe muito bem disso – respondeu Amarantys, baixando o olhar para o chão.  – Queria ter certeza de que eles estão bem, se eles conseguiram chegar aqui na cidade sãos e salvos.
- Eu já disse para você não se preocupar. Quando menos esperar, a gente acaba se esbarrando com eles por aí. Você se preocupa demais.
- E você é despreocupado demais. – respondeu secamente Amarantys, meio chateada por constatar que ela era realmente a única a se preocupar com o grupo deixado para trás. – Mesmo já conhecendo você há algum tempo, não consigo entender como você consegue ser assim, sempre tão relaxado.
- Não se ofenda com o que vou dizer... – Drakonyh simulou um ar pensativo, mas na verdade demonstrava apenas olhar para o tempo de maneira irônica.
- Eu suporto, vá em frente – disse Amarantys, aproveitando aqueles segundos de silêncio no diálogo.
- Preocupação é para os fracos de espírito.
- Fracos de espírito? – Amarantys conteve o tom de voz, e ficou indignada com o comentário do amigo Espadachim. Levantou-se e caminhou em direção de Drakonyh, cerrou os olhos de forma ameaçadora em sua direção, encarando-o de perto. – Drakonyh, você me conhece muito bem e sabe que eu costumo me preocupar com as pessoas. Quer dizer que só porque eu penso assim, eu posso me considerar uma pessoa fraca de espírito?
Drakonyh manteve-se impassível diante dela, e continuava com aquele sorriso de canto de boca insistente.
- Não disse que você é fraca. Eu disse que preocupação é para os fracos de espírito. Quem se preocupa demais, perde o foco de seus objetivos.
- Pois fique sabendo que eu não perco o foco de meus objetivos – retrucou contrariada Amarantys, cruzando os braços.
- Novamente, eu não falei de você. – Drakonyh percebeu que Amarantys estava ficando realmente chateada com toda aquela conversa e procurou dar um fim à discussão. – Amara, procure relaxar – respondeu sorrindo o Espadachim. – Eu apenas disse aquela frase porque penso na vida sempre como um desafio que superamos quando queremos.
Um breve silêncio pairou no ar entre os dois, enquanto alguns outros recrutas graduados passavam por ali pelo corredor. Logo em seguida, Drakonyh retomou a conversa, dessa vez mudando um pouco de assunto.
- O que você precisa, Amarantys, é manter seu foco, pois eu tenho certeza que o Intrutor Oficial nos chamou aqui hoje de manhã para nos convocar para alguma outra missão.
- Eu sei disso... Provavelmente outra missão por essas montanhas geladas de Tundra Infame. – disse Amarantys, aparentando estar meio contrariada por considerar a possibilidade de terem que enfrentar o clima gelado das montanhas.
Drakonyh, sempre com um sorriso sutil na boca, descansou suas mãos nos bolsos de seu fardão e caminhou calmamente em direção às janelas que ficavam um pouco acima da altura de seus ombros e deu uma olhada para o céu nublado.
- Até que hoje o dia parece estar mais aberto. Pelo menos hoje mais cedo eu vi o sol aparecer rapidamente por entre as nuvens.
Nesse momento, a porta da sala do Instrutor Oficial O’Conner se abriu, e os dois recrutas graduados que esperavam já há algum tempo serem chamado viram a figura serena do Tenente-Coronel Walkner surgir diante deles.
- Recrutas Graduados Amarantys e Drakonyh, podem dirigir-se à sala do Instrutor Oficial O’Conner. Ele aguarda os dois para a reunião.
Sem muita cerimônia, a Arqueira e o Espadachim entraram, passaram por uma breve ante-sala de secretariado discreta, que na verdade era a sala do Tenente-Coronel Walkner, para então adentrarem na sala de O’Conner. Após as devidas reverências militares, Amarantys e Drakonyh permaneceram de pé, enquanto O’Conner iniciava a reunião com breves explicações acerca do resultado do exame feito pelos pesquisadores de Tundra Infame com o material do sangue de Zumbi recolhido por eles. O instrutor também explanou brevemente sobre a praga desconhecida que estava atacando os habitantes da região,  deixando a todos em estado de alerta, e da deficiência dos cientistas de Tundra Infame em conseguir dar seguimento às pesquisas com a amostra, cujos resultados pareciam ter ligação direta com a doença. Ao final, deliberou oficialmente a missão dos dois recrutas e seus objetivos estabelecidos.
- Levem a amostra do sangue de Zumbi que vocês conseguiram coletar para o pesquisador Heill. Estou liberando para os dois estes cartões de teletransporte. – O’Conner estendeu os cartões para Drakonyh enquanto continuava as explicações – Vocês seguirão para o Portal localizado nos arredores da cidade. Utilizem os cartões para ter acesso, e quando estiverem lá dentro, procurem pela 4ª Porta de Teleporte, aquela que não terá nenhum brasão de cidade. Será essa porta que os levará diretamente para as coordenadas programadas nos seus cartões, um ponto localizado próximo aos subterrâneos da Torre dos Sábios. A partir dessa localização, vocês precisarão ter cuidado.
- Como assim cuidado? – indagou Amarantys, fazendo uma discreta cara de espanto – A missão não é encontrar esse cientista Heill e entregar a amostra para ele?
- Sim... Mas vocês terão certa dificuldade em chegar até Heill.
- Hmm. Já imagino que tipo de dificuldade seja. – disse Drakonyh olhando para a Arqueira, sorrindo enquanto esfregava as mãos num movimento que demonstrava satisfação pelo que o Instrutor Oficial havia dito. Amarantys sabia muito bem o que aquele sorriso do Espadachim queria dizer. – Teremos ação! – o rosto de Drakonyh era pura euforia contida.
- Não iremos teleportar diretamente no laboratório de Heill? – perguntou Amarantys, fazendo um ar de contrariada.
- Não. Mesmo estando cientes da eficiência e confiabilidade do sistema de Teletransportes dos Portais de Nevareth, por medida de segurança, alguns pontos de teleporte não ficam diretamente em seus destinos finais. Para a própria segurança de Heill e pelo incrível valor de suas pesquisas, o teleporte que conduz até ele fica nos arredores do local onde ele montou as instalações de seu laboratório. Então vocês podem deduzir o que encontrarão pela frente.
- Ação! – disse Drakonyh novamente, olhando para a Arqueira, só que dessa vez em tom de sussurro e com um sorriso largo. Amarantys esboçou uma expressão de indiferença antes que O’Conner os dispensasse para iniciarem sua jornada.

A Arqueira e o Espadachim se preparavam mais uma vez para sair em campo para uma nova missão, e nem sequer tinham idéia de que todos os outros jovens recrutas graduados que eles encontraram nas montanhas de Tundra Infame conseguiram chegar em seus destinos sãos e salvos. Mal sabiam eles que ali no mesmo prédio da Central das Forças Armadas, no andar logo acima, naquela mesma manhã, Hevelin aguardava sua hora para se encontrar com o Comandante Oficial Henkoff e relatar como foi sua jornada na missão de confirmar a localização do esconderijo que a Guilda dos Ladrões estava usando para esconder as mercadorias roubadas dos comerciantes daquela região. Também trajava seu fardão de recruta graduado e esperava sozinha e silenciosa no amplo corredor que dava acesso à sala do Comandante Oficial. Passou aqueles breves minutos relembrando do retorno, no dia anterior, à cidade, e da discussão que teve com Mehldrik pouco antes dele seguir em direção à loja de Simon, antigo comerciante conhecido por todos, o respeitável fabricante e vendedor de armaduras e acessórios para guerreiros e guardiões que pediu ajuda ao jovem Guardião para encontrar o amigo Skaild. Estavam se despedindo, quando Hevelin tentou animar Mehldrik, dizendo que ele fez todo o possível para reencontrar Skaild e trazer ele de volta.
- Você fez o mais difícil, que foi resgatar ele daquela mina. – explicava Hevelin.
- Ele deveria estar comigo agora aqui. – resmungou Mehldrik, sempre mostrando-se contrariado quando aquele assunto vinha à tona. – Ele me enganou, o maldito me enganou e agora não faço idéia de onde ele esteja.
- Sabemos que com a Guild dos Ladrões ele não está mais.
- Começo a achar que não foi uma boa idéia a gente se unir... – disse Mehldrik, fazendo um ar pensativo, enquanto olhava para as ruas da cidade e seus habitantes andando de um lado para o outro. Hevelin franziu a testa e fez um ar de espanto, com uma clara expressão de que foi pega de surpresa por aquela afirmação.
- Como assim? – questionou a Duelista.
- Não sei... Quando a gente se encontrou nas montanhas, talvez tivesse sido melhor cada um seguir seu caminho. – Mehldrik agora olhava para Hevelin. – Talvez se a gente tivesse feito isso, tudo seria diferente agora...
- Quer dizer que você acha que a gente ter se unido pode ter sido um erro? – Hevelin continuava um pouco confusa, e mesmo assim tentava entender o que Mehldrik queria dizer a ela.
- Acho que sim. Se eu tivesse seguido meu caminho e você o seu...
- Se cada um tivesse seguido seu caminho... – interrompeu Hevelin - ...ainda assim não dá para você saber o que aconteceria realmente. Você poderia ter conseguido trazer Skaild ou não.
- E você poderia ter encontrado o esconderijo da guild ou não. – disse Mehldrik, buscando completar a lista de resultados possíveis. – Talvez você ter me encontrado tenha facilitado a você completar sua missão.
Hevelin franziu novamente a testa, dessa vez fazendo uma expressão de  irritação pelo que acabava de ouvir do Guardião.
- Como assim facilitado? – a voz da Duelista emanava um tom desafiador. – Você quer dizer que, sem você, eu não teria conseguido completar a missão?
- Você se lembra de quem foi a idéia da gente se unir? – retrucou Mehldrik – A idéia foi sua. Você pode ter lançado essa idéia já considerando a possibilidade de que poderia não ter capacidade de cumprir com a missão.
- O que? – Hevelin subiu o tom de sua voz. Agora mostrava-se visivelmente irritada com a afirmação feita pelo Guardião e o encarava de muito perto. – Então você sempre acreditou esse tempo todo que eu nunca seria capaz de cumprir com minha missão??
- Eu não disse isso. – respondeu Mehldrik, sentindo-se incomodado com aquela discussão entre as pessoas que passavam pela rua.
- Não disse porque não teve coragem esse tempo todo de dizer na minha cara!! – Hevelin demonstrava, pela segunda vez diante de Mehldrik, que não admitia de forma nenhuma que questionassem a capacidade dela em conseguir alcançar os objetivos que lhe fossem estabelecidos. Seu temperamento forte e sua maneira meio grossa e ignorante de discutir opiniões estava novamente à tona naquele momento. Mehldrik procurou intervir, tentando acalmá-la.
- Hevelin, acalme-se! – disse o Guardião de forma contida. – Você está começando a chamar a atenção...
- Para o inferno você e quem quiser ir junto! – esbravejou a Duelista – Eu já te disse que não admito que ninguém duvide de minha capacidade! – Hevelin ficou face a face com Mehldrik, e soltou uma última frase antes de dar as costas para o Guardião e seguir com passos firmes em direção ao prédio do Comando Central das Forças Armadas de Tundra Infame. – Pelo menos, eu tenho coragem suficiente para dizer tudo o que penso.
Absorvida nas lembranças ocorridas no dia anterior, Hevelin foi bruscamente trazida de volta à realidade daquele momento pela voz do Major Dublint chamando pelo seu nome. Ele a convocava para entrar na sala do Comandante Oficial Henkoff.

Nenhum comentário:

Postar um comentário