domingo, 18 de abril de 2010

Capítulo XV

O dia parecia ter clareado naquele momento por sobre o Condado de Tundra Infame. A nevasca cessou, tempo abriu, e as nuvens se afastaram, abrindo espaço para as paisagens distantes se discortinarem no horizonte distante. Da janela de seu escritório no prédio do Comando Central das Forças Armadas de Tundra Infame, o Instrutor Oficial O’Conner apreciava os montanhas distantes que rodeavam todo o condado. Observava toda aquela paisagem pensativo, enquanto degustava uma xícara de chá quente. Atrás de si, sobre sua mesa, uma pilha de papéis indicavam que seu trabalho era realmente constante e interminável. Convocações de recrutas pendentes, processos de missões em aberto, liberação de cartões de teletransporte de uso exclusivo das forças militares. Tudo para ser analisado, revisto e liberado após sua assinatura. O’Conner virou-se e olhou a pilha de papéis diante de si, soltou um suspiro e voltou seu olhar para as montanhas ao longe. Degustou mais um gole de chá, enquanto imaginava como estaria o andamento das últimas missões as quais considerava as mais importantes até o momento. Os recrutas graduados que ele havia convocado tinham deixado Tundra Infame há alguns dias e desde então não tivera mais qualquer notícia ou retorno sobre os progressos feitos. Estava um pouco temeroso quanto ao desenrolar dos fatos, mas continuava com um olhar impassível em um rosto que não deixava transparecer qualquer sinal de um possível sentimento de insegurança quanto às suas decisões tomadas. Imerso em seus pensamentos, concentrava-se nas próximas ações que tomaria caso as missões falhassem, quando alguém bateu em sua porta. Era um jovem recruta trazendo notícias. Após bater leve continência, permaneceu próximo à porta.
- Oficial O’Conner, acabamos de ser informados que os recrutas graduados convocados pelo senhor para uma missão aqui no continente acabaram de retornar.
Ao ouvir essa notícia, O’Conner permaneceu imóvel, olhando pela janela. Sentiu certo alívio ao saber do retorno dos recrutas, apesar de não saber se a missão foi bem sucedida ou não.
- Eu agradeço a informação, meu jovem. Avise a eles que já estou a caminho para falar com ele. Conduza-os até a sala de reunião.
Assim que o jovem recruta deixou sua sala, ele virou-se e sentou em sua cadeira. Calmamente, revistou a pilha de papéis sobre a mesa, procurando o documento de uma missão em específico. Assim que achou, abriu a pasta e fez uma breve leitura de todos os procedimentos da missão, bem como dos recrutas graduados que haviam sido convocados. Era uma tarefa arriscada e difícil, e O’Conner sabia perfeitamente que poderia sofrer perdas caso os recrutas não tivessem êxito. Todos na região do condado estavam em perigo com aquelas hordas de zumbis se aproximando cada vez mais. Mais uma vez olhou atentamente para o documento da missão. Ali estavam os nomes dos dois recrutas graduados convocados. Eram Drakonyh, da região de Spine, e Amarantys, da região de Areshand, ambos no Continente de Pastur.
O’Conner levantou-se, ajeitou-se em seu fardão militar, deixou seu escritório e se dirigiu então para a Sala de reuniões um andar abaixo. Ao chegar à porta, um soldado que estava de prontidão à entrada bateu continência e deu passagem para o Instrutor. O ambiente tinha poucos móveis, uma mesa redonda ao centro com alguns assentos, e era bem iluminado pelas janelas altas. Ao perceberem a entrada de O’Conner no recinto, Drakonyh e Amarantys levantaram-se em sinal de respeito, mas não bateram continência. O Instrutor Comandante de Tundra Infame aproximou-se dos dois na expectativa de receber boas notícias sobre a missão. Não demorou em iniciar a conversa.
- Recruta Drakonyh, recruta Amarantys. Sejam bem vindos de volta. Confesso que fiquei apreensivo com o desfecho da missão que foi confiada a vocês dois, dado o grau de perigo da mesma.
- Comandante, informamos ao senhor que obtivemos êxito no objetivo da missão e conseguimos coletar a amostra de sangue. – disse Drakonyh num tom de voz formal. Logo em seguida, Amarantys estendeu a mão, mostrando o pequeno frasco transparente contendo um líquido vermelho viscoso, entregando-o para O’Conner.
- Não tivemos dificuldades em encontrá-los – comentou a jovem arqueira.
- Então as informações referente a localização da horda de zumbis de fato procedia? – perguntou o Comandante Instrutor.
- Exatamente – respondeu Amarantys – Nós os encontramos mais próximos dos limites das colônias da região, como informava os relatórios anteriores.
- As hordas que encontramos eram realmente muito numerosos em zumbis, senhor - disse Drakonyh – Isso confirma também a informação de que a população deles tem crescido vertiginosamente.
Enquanto ouvia as explicações dos dois, O’Conner pegou delicadamente o pequeno frasco transparente e o levantou diante de seu rosto, colocando-o contra a claridade que vinha das janelas. Olhou atentamente e de perto o líquido vermelho, que deixava levemente resplandecer uma sutil luminosidade.
- Senhor, durante nossa missão encontramos um outro grupo nas montanhas da região. Segundo nos relataram, eles estavam seguindo rastros de pessoas desaparecidas. – revelou Drakonyh.
O Instrutor Comandante esboçou uma leve expressão de surpresa em seu rosto, como se aquela informação dita pelo Espadachim o fizesse lembrar de algo importante relacionado a algumas outras missões das quais tinha conhecimento. Entretanto, não se aprofundou em questionamentos referentes àquele comentário feito por Drakonyh, pois sua atenção estava voltada para a missão bem sucedida daqueles recrutas graduados.
- Realizaram sua missão de forma extremamente competente – disse O’Conner de maneira contida – Agora enviaremos essa amostra coletada para nossa equipe de cientistas examinarem. E precisarei de um relatório completo de vocês sobre esta missão para o mais breve possível.
Dito isso, o Instrutor Comandante guardou o minúsculo frasco em um bolso de seu fardão e retirou-se da sala. Assim que O’Conner não estava mais presente, Drakonyh soltou um suspiro e cruzou os braços, mostrando um claro comportamento de descontentamento com relação ao último pedido do Comandante.
- Eu odeio essa parte burocrática – resmungou em voz baixa. – Deixo isso para você, Amarantys. – o Espadachim soltou um leve sorriso de canto de boca.
- Você, como sempre, fugindo das responsabilidades. – retrucou Amarantys.
- Não me interessa todas essas papeladas. O que importa pra mim é estar em campo, enfrentando desafios, colocando minhas habilidades em prática. Afinal, não aprendi tanta coisa pra ser desperdiçada assim, não é mesmo? – continuou sorrindo o Espadachim.
- Debochado como sempre. – respondeu Amarantys, enquanto se dirigia para a janela e observava os prédios de Tundra Infame e as montanhas que cercavam aquele condado. – E quanto ao pessoal que acompanhamos? Será que foi certo o que fizemos?
- Você se preocupa demais. Eles conseguirão chegar aqui no condado, todos são corajosos e determinados.
- Eu me preocupo porque tudo o que aconteceu estará em nosso relatório. Não podemos omitir os fatos, principalmente porque informamos o Comandante O’Conner a respeito. E se eles não conseguirem sobreviver? – explicou Amarantys.
- Então você acha que não foi uma boa idéia termos relatado esse encontro com o Comandante? – questionou Drakonyh.
- Não tenho certeza, mas se eles não conseguirem chegar no condado, o Exército vai investigar e nós estaremos no meio dessas investigações. E isso pode não ser bom para a gente.
Amarantys e Drakonyh se entreolharam por alguns segundos e parecem ter chegado às mesmas conclusões. Ambos tinham suas ambições pessoais de carreiras promissoras dentro das Forças Armadas e aquele fato em especial poderia ser uma mancha em seus currículos.
- Deveríamos ter ficado com eles e seguido todos juntos. – balbuciou Amarantys. – Acho que nossa decisão foi errada. E agora temos que torcer para que eles consigam chegar aqui em segurança. – A arqueira permaneceu olhando pela janela durante algum tempo para as montanhas no horizonte, aquelas mesmas montanhas onde agora caminhavam Mehldrik, Hevelin, Vohldrik e Lehvinia, tentando transpor todos os obstáculos para chegarem o mais rápido possível ao condado de Tundra Infame.
Os quatro caminhavam com dificuldade pela neve espessa que cobria os caminhos entre as montanhas altas. O tempo havia melhorado um pouco, mas não o suficiente para facilitar a locomoção por aquelas estradas. O jovem guerreiro caminhava ao lado do irmão e o questionou sobre a decisão tomada por Mehldrik sobre a utilização das pedras guia.
- Tem certeza de que era aquilo mesmo que deveria ser feito? Entregar as duas pedras para aquele Espadachim e aquela Arqueira?
- Eles estavam em uma missão importante e tiveram êxito. Coletaram um material valioso para pesquisa e precisavam voltar logo para o condado. – explicava Mehldrik – Considero justo, já que não tivemos a mesma sorte com nossas missões. Eu precisava resgatar e levar Skaild em segurança de volta ao condado e falhei. Você e Lehvinia não conseguiram encontrar Kashu.
- Mas temos informações importantes – respondeu Vohldrik – Você e Hevelin confirmaram o local do esconderijo da Guild dos Ladrões e as Forças Armadas de Tundra Infame poderão agir e prender todos os que ficaram soterrados e presos naquela mina.
- Não acho isso suficiente. Skaild tinha informações realmente importantes que podem esclarecer os desaparecimentos em toda Nevareth, e deixamos ele escapar.
- Seu irmão não precisa ficar se culpando pelo que aconteceu. – disse Lehvinia, que acompanhava os irmãos de perto e escutou a conversa deles. – O esforço dele foi recompensado com as informações que conseguimos, como a confirmações do esconderijo, e o resgate de Skaild. Sem a determinação e a coragem dele e de Hevelin, acredito que Skaild estaria preso até agora e sob risco de morrer nas mãos dos ladrões.
- Eu discordo – retrucou Helevin, que caminhava um pouco mais distante – Tinhamos missões a cumprir, e não conseguimos cumprir nossos objetivos. Em parte eu entendo o que Mehldrik quer dizer.
Mehldrik parou de caminhar, parecendo sentir-se incomodado com aquela conversa toda. Todos pararam um pouco surpresos, sem saber o motivo daquela atitude do jovem Guardião. Ele então decidiu dar um ponto final naquele assunto. Virou-se para os outros com o intuito de esclarecer possíveis dúvidas referentes às decisões tomadas por ele, principalmente no que dizia respeito sobre ter dado as duas pedra guias para Drakonyh e Amarantys.
- Entendam de uma vez por todas. Nós não conseguimos concluir nossas missões, diferente de Drakonyh e Amarantys. Eles tinham um material importante em mãos que deveria chegar o mais rápido possível ao Condado. Nós falhamos em missões que nos foram confiadas por pessoas importantes em Nevareth.
- Mas conseguimos informações importantes – disse Lehvinia.
- Skaild era mais importante do que todas essas informações que temos agora. Ele sabe de muita coisa que não sabemos... – havia algo de tenso na voz de Mehldrik, e sua última frase foi seguida por um silêncio enigmático, como se cada um ali estivesse procurando entender o posicionamento e o pensamento do outro sobre o assunto. Mas o tempo foi passando, e aqueles segundos de silêncio se tornaram mais enigmáticos ainda. Todos se entreolharam confusos, pois eles pareciam não estar mais pensando sobre o assunto, mas sim, tentando decifrar um barulho meio rouco e abafado que parecia distante, mas que crescia gradativamente. Parecia um rugido, e estava ali próximo.
- Acho melhor a gente discutir isso depois. – disse Vohldrik, enquanto olhava fixo para algo enorme que surgiu em um barranco logo acima deles.
Todos seguiram o olhar fixo de Vohldrik e olharam para trás. Eles não podiam acreditar no que estava diante deles.

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