quarta-feira, 28 de abril de 2010

Capitulo XVII

Lá fora novamente o tempo havia fechado, e ventos intensos anunciavam que mais uma forte nevasca se aproximava do condado. Porém, nenhum anúncio de possíveis tempestades de neve ou qualquer tempo ruim parecia abalar o semblante firme e sério do Comandante Maior das Forças Armadas de Tundra Infame, o Oficial Henkoff, um dos mais antigos e experientes militares ainda na ativa, respeitado e temido por todos os seus soldados subordinados naquela Central. Seu rosto marcado pela linha do tempo e sua barba e cabelos brancos apenas ressaltavam sua carga de experiência por tanto tempo na carreira militar. Entretanto, seu olhar sempre determinado e seu rosto de expressões quase sempre impassíveis mostravam o quanto ele havia conquistado durante todos aqueles anos com força, vigor e honra diante de todos junto às Forças Armadas. Era uma figura imponente, oniciente de todas as suas responsabilidades, sempre buscando defender e proteger todos os civis do Condado e da região de Tundra Infame.
Em sua sala, tudo ostentava certa imponência militar, a começar pelas cortinas e estofados de veludo em tons de vermelho, combinando com o tapete com desenhos sombreados de mosaicos e arabescos nas pontas. Em uma parede, uma lareira não apenas adornava o ambiente como o deixava comodamente aquecido. Na parede oposta, um imensa estante cheia de livros e outros manuscritos raros. No teto, um lustre adornado numa tonalidade de um dourado luminoso completava o ar imponente daquela sala. Sentado confortavelmente em sua cadeira revestida de um tecido de veludo vermelho escuro, Henkoff lia atentamente cada página do imenso relatório que estava sobre sua mesa e que lhe tinha sido enviado mais cedo. Cada linha do que lera o havia deixado preocupado, pois sabia que se tratava de uma situação nova e complicada, e cujos indícios recentes indicavam desdobramentos terríveis. De acordo com o que explicava o relatório entregue em suas mãos, uma praga desconhecida vinha assolando os habitantes da região de Tundra Infame nos últimos tempos. Os médicos afirmavam no relatório que nunca haviam visto nada parecido com aquilo antes, após examinarem diversas pessoas contaminadas pela doença. Felizmente, as conclusões indicavam que a doença não era fatal e os sintomas não pareciam ser muito sérios. Entretanto, Henkoff não concordava com as informações contidas no relatório, e considerava que aquela praga, justamente pelo fato de ser contagiosa, merecia uma atenção especial. O relatório trazia diversas outras informações e complementos que validavam sua preocupação. Enquanto lia mais algumas páginas do documento, um jovem recruta secretário bate em sua porta e anuncia a presença do Instrutor Oficial O’Conner. Este entrou e bateu continência ao Comandante, para logo em seguida sentar-se em uma poltrona em frente à mesa de Henkoff.
- O senhor já está ciente da situação, eu creio. – disse O’Conner, num tom levemente indagador.
- Sim, estou ciente – respondeu Henkoff, sem tirar os olhos do documento – Recebi hoje este relatório e estava lendo pela segunda vez. A situação requer uma atenção cuidadosa, O’Conner.
- Acredito que o senhor tenha lido também a parte anexada por último, que mostra o resultado da análise da amostra de sangue de zumbi que dois recrutas graduados convocados nos trouxeram há cerca de dois dias.
- Eu observei também os resultados dessa análise – Henkoff fez um pausa, como que esperando ouvir explicações sobre os resultados obtidos – Gostaria de ouvir um parecer seu sobre essa análise.
- De acordo com as explicações finais dos nossos cientistas, a amostra de sangue parece ser de um Zumbi de uma origem diferente e desconhecida, que não pertence ao grupo de Zumbis que conhecemos e que perambulam por áreas pertecentes em nossa região.
- Isso significa que pode existir não apenas um, mas uma horda desses zumbis diferentes? – questionou Henkoff.
- Acreditamos que sim, Comandante. A análise também menciona a descoberta de uma substância bacteriana extremamente contagiosa, e que pode ter ligação com a praga que vem atacando diversos habitantes de nossa região.
- Deduzimos então que a doença tem ligação direta com esses zumbis cuja origem desconhecemos.
- Exatamente, Comandante – respondeu firmemente O’Conner.
Henkoff fez um ar de profunda preocupação. Após aquela ligeira conversa com O’Conner, ele sentiu que a situação poderia sair do controle se não fossem tomadas providências urgentes.
- Senhor, presumo que estejamos estagnados nas pesquisas, devido a nossa tecnologia limitada. Não podemos ir mais além de onde nossos cientistas conseguiram chegar em suas análises.
Henkoff sabia muito bem o que aquelas palavras queriam dizer. A equipe renomada de cientistas fazia o possível dentro das possibilidades de seus laboratórios, mas havia limitações visíveis na tecnologia de suas pesquisas que os impedia de conseguir mais informações importantes acerca não apenas daquela amostra de sangue, mas também sobre a praga que estava se disseminando pela região. E nesse momento crucial, ele sabia que estava mais do que na hora de solicitar os serviços de um conhecido cientista excêntrico de incrível capacidade de pesquisa que montou seu laboratório em uma área remota e distante do condado. Uma área perigosa, cercada por diversos monstros.
O comandante levantou-se de sua cadeira, e dirigiu-se até a janela. Ficou impassível alguns segundos, pensando e refletindo suas próximas ações, apesar de já saber qual decisão seria tomada por ele. Manteve as mãos atrás das costas, enquanto deliberava para o Instrutor Oficial O’Conner suas próximas instruções.
- Convoque um grupo de recrutas graduados, de preferência aqueles que estiveram envolvidos com a missão de trazer a amostra de sangue. Eles demonstraram competência e eficiência no cumprimento de sua tarefa. Eles agora terão a missão de levar essa amostra para um conhecido especialista nosso, o pesquisador responsável pelas colônias especiais, no laboratório de pesquisas da Torre dos Sábios. – Henkoff virou-se então para o Instrutor Oficial O’Conner e concluiu – Eles devem encontrar Heill.

Vohldrik havia parado no meio da trilha de neve, pois ao olhar para um lado do caminho, conseguiu reconhecer o trajeto que ele e Lehvinia tinham feito assim que saíram do portal de teletransporte. Então, o jovem guerreiro gritou o nome do irmão, que caminhava um pouco mais à frente, chamando sua atenção. Lehvinia, que caminhava ao lado de Vohldrik, olhou para ele e entendeu que realmente era chegado o momento dos dois retornarem para Huan e relatarem todos os detalhes de sua jornada pelas montanhas geladas de Tundra infame para o Capitão Mark. Apesar de todo cansaço e de saberem da frustração de Mehldrik por não terem cumprido objetivamente suas missões, Vohldrik e Lehvinia sabiam que as informações conseguidas por eles seriam extremamente importantes para dar continuidade às investigações do Capitão Mark e do Comandante Oficial Dunhike, da Central das Forças Armadas do condado do Deserto da Lamentação.
- Tem certeza de que não quer vir conosco até o Condado, Vohldrik? – perguntou Mehldrik com certo ar de descontentamente no rosto.
- Não podemos. Devemos retornar para o continente de Huan e relatar nossas descobertas para o Capitão Mark e os oficiais de lá. – disse Vohldrik, meio triste – Eu queria muito retornar, mas não posso.
Lehvinia se aproximou do Guardião e procurou dizer-lhe palavras de incentivo.
- Saiba que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, e que mesmo não conseguindo concluir nossos objetivos, cada um de nós tem informações que serão importantes daqui para frente. – Lehvinia olhava com sinceridade nos olhos de Mehldrik. – Passamos por muitas coisas, e conseguimos superar tudo juntos. Isso, para mim, já nos torna vitoriosos.
- Eu compreendo o que você quer dizer – respondeu Mehldrik – Eu entendo que tudo o que passamos serviu de aprendizado para nosso próprio futuro. Apesar de ainda não admitir realmente nossos fracassos nas missões...
- Não pense assim – interrompeu Lehvinia – Pense apenas que se não fizemos certo dessa vez, teremos outras oportunidades para fazer certo e conseguir alcançar nossos objetivos.
- Nos veremos em breve? – perguntou o Guardião, sorrindo.
- Pode ter certeza que sim – respondeu serenamente a Maga.
- Posso fazer uma breve pergunta? – interrompeu Hevelin, com ar de curiosidade.
- Sim, pode fazer – respondeu Vohldrik.
- Vocês foram designados para uma missão em caráter de urgência, correto?
- Sim, pelo Capitão Mark. – explicou Vohldrik. – Por que?
- Por nada, estava apenas tentando relembrar o nível de prioridade da missão de vocês dois aqui no continente de Midreth.
Vohldrik e Lehvinia entreolharam-se rapidamente meio que sem entender aquela pergunta da Duelista. Por fim, abraçaram-se, despedindo-se em silêncio. Lehvinia e Vohldrik conversaram ainda brevemente com Hevelin antes de seguirem sua jornada de volta ao mesmo Portal que os havia teletransportado para aquelas terras inóspitas e geladas de Midreth.
Mehldrik e Hevelin retomaram sua caminhada pela trilha que conduziria os dois para o Condado de Tundra Infame. Pelo caminho, Mehldrik questionou Hevelin o motivo que a levou a fazer aquela pergunta para seu irmão.
- Perguntei porque eu tenho a impressão de que eles estejam de possa de cartões de teletransporte. Eu não sei se você reparou, mas eles tomaram um caminho que conduz ao Portal de Teletransporte que fica aqui nos arredores do condado.
- Você quer dizer os cartões de teletransporte de uso exclusivo das Forças Armadas? – perguntou Mehldrik.
- Sim, esses mesmos cartões que são utilizados apenas por militares ou soldados em missões especiais. Foi justamente pelo nível de prioridade alta da missão que nem seu irmão e nem Lehvinia puderam ficar aqui no Condado por mais tempo.
- Mas eles foram enviados em missão pelo Capitão Mark.
- O Capitão Mark tem notada influência nos altos escalões das Forças Armadas de Huan. Ele pode ter pressentido a urgência para a missão e deliberou ele mesmo a liberação dos cartões tanto para Vohldrik como para Lehvinia. – explicou Hevelin.
- Fico ressentido apenas por eles não terem concluído a missão deles da maneira como realmente deveria. Assim como eu também não consegui concluir minha missão... – ao final dessa frase, Mehldrik silenciou-se e permaneceu caminhando pensativo. O Guardião e a Duelista permeneceram assim durante boa parte do restante da jornada. No entardecer congelante daquele mesmo dia eles finalmente estavam chegando ao seu destino final, o condado de Tundra Infame.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Capitulo XVI

- Mas o que é isso?... – balbuciou Mehldrik enquanto olhava fixo para o perigo diante deles.
- De onde surgiu isso? – questionou Hevelin, enquanto recuava um pouco já se colocando em posição de ataque.
Estavam todos claramente assustados diante daquele incrível monstro que se agigantou diante de seus olhos de maneira aterrorizante e perigosa. Era um gorila branco, porém ele era absurdamente imenso, quatro vezes maior que os gorilas que eram encontrados naquela região das montanhas de Tundra Infame. Aquele ser descomunal surgiu diante dos jovens, paralisados pelo choque da visão perturbadora. De cima do barranco, o gorila gigante ergueu-se e soltou um urro ensurdecedor, enquanto batia no peito com suas mãos enormes repetidas vezes. Ninguém, naquele momento, sabia o que pensar, principalmente Mehldrik e Vohldrik, que nunca tinham visto antes algo parecido por aquelas montanhas. Algumas vezes, quando crianças, ouviram rumores sobre a existência de um monstro gorila enorme, e tudo ficava apenas como lenda entre os habitantes dos condados, já que ninguém havia conseguido provar a existência de tal monstro. Agora a situação inesperada tomou de surpresa os quatro jovens, atônitos, parados, olhando aquele gorila imenso erguendo-se perigoso diante deles. O monstro tinha uma luminosidade flamejante em seus olhos, e subitamente parou no alto do barranco, enquanto observava fixo para os minúsculos humanos logo abaixo. E então, repentinamente, aquele gorila enorme deu um pulo e desceu pela barranco, indo perigosamente na direção dos jovens. Pelo caminho, o monstro destroçou algumas árvores com uma facilidade absurda, demonstrando uma força fantástica, bem de acordo com seu tamanho agigantado. Mehldrik, Hevelin, Vohldrik e Lehvinia pularam cada um para um canto, caindo desajeitadamente na neve fofa. Não perderam muito tempo, e levantaram-se já em posição de ataque e com suas armas astrais em punho.
- Protejam-se! Não se aproximem muito dele! – gritou Mehldrik, que naquele exato momento percebeu que estava mais do que na hora de enfrentar o perigo usando suas verdadeiras habilidades de Guardião Arcano. Até aquele momento, em todos as situações de perigo nas quais esteve envolvido, havia utilizado mais de habilidades arcanas simples, centralizadas em projéteis mágicos disparados de seu escudo astral. Agora, diante daquela ameaça feroz e devastadora, tinha certeza plena de que teria que usar a sua força verdadeira em batalha, a força de um Guardião através de suas habilidades com sua katana. Fechou os olhos por alguns instantes e concentrou-se, buscando seu poder interior.
O enorme gorila encontrava-se mais perto da Maga e preparou-se para atacá-la quando Lehvinia, logo após canalizar suas magias nos orbes, começou a lançar a uma distância segura projéteis de gelo e fogo alternados, de forma a distrair o monstro e impedir assim que ele conseguisse se aproximar rapidamente.
- Vou tentar manter ele distante o máximo que puder. – gritava a Maga, enquanto disparava seus projéteis em sequências rápidas. Enquanto disparava suas magias, Lehvinia percebeu que o monstro tombava um pouco para trás, mas permanecia impassível, tentando aproximar-se ferozmente deles. – Não consigo deter ele por muito tempo!
Vohldrik percebeu que seu irmão estava concentrado, buscando transceder seu poder arcano interior, e então decidiu por conta própria intervir na situação para livrar Lehvinia do perigo iminente. Empunhando sua montante, velozmente e de forma inacreditavelmente ágil, saltou entre os troncos de árvores próximas, indo em direção ao perigo desafiador. Então saltou muito perto do gorila, e a poucos metros, parou diante dele, e saltou no ar corajosamente rodopiando. Ao cair no chão, cravou determinado sua montante na terra, como que buscando o poder da terra, e então ergueu sua poderosa arma fazendo o chão de abrir próximo ao gorila e acertando com um golpe certeiro. Dessa vez o monstro tombou alguns metros para trás, atingindo mais árvores que estavam mais atrás. Vohldrik permaneceu em seu lugar, segurando sua montante, enquanto Lehvinia, que até então não havia parado de lançar seus projéteis, cessou sua ataque ao ver o monstro caído no chão. Porém, o gorila ergueu-se completamente possesso de fúria, com seu olhar cada vez mais aterrorizante. Vohldrik preparava-se para lançar outro golpe contra o monstro, mas esse foi mais rápido dessa vez, e o atingiu com seu enorme braço, fazendo com que o jovem guerreiro voasse alguns metros, atingindo o tronco grosso de um pinheiro.
- Vohldrik! – gritou Mehldrik assustado, agora de pé, empunhando desafiadoramente sua katana e seu escudo astral.
- Eu estou bem! – disse Vohldrik, enquanto se levantava um pouco tonto ainda. – Ele pensa que pode me derrubar assim tão fácil.
Lehvinia iniciou novamente a sequência de projéteis de gelo e fogo contra a enorme aberração, enquanto Hevelin partiu em direção ao gorila, cujos olhos pareciam queimar com aquela sua luminosidade vermelha. A duelista empunhou suas katanas, e estava atento aos ataques do monstro, esquivando-se com uma rapidez surpreedente dos pedaços de troncos de árvores que eram arremessados contra ela. Assim que conseguiu aproximar-se, projetou seus golpes certeiros, a Espiral Fantasma e o Corte da Lua Gêmea, deixando o monstro atordoado um pouco, mas não o suficiente. Transtornado pelos ataques da duelista, o gorila também acabou atingindo Hevelin com seu punho fechado, o que fez a duelista voar diretamente de encontro às árvores, caindo desacordada.
- Hevelin! – Lehvinia soltou um grito. Pressentiu a gravidade da situação, e assim que parou de atacar o gorila, teleportou-se para o local onde a duelista estava caída inerte. Mehldrik correu ao encontro das duas e questionou a maga a respeito de Hevelin.
- Ela está bem? – perguntou Mehldrik enquanto examinava o pulso da duelista.
- Está apenas inconsciente. Mesmo assim, vou ministrar uma cura regenerativa nela, para reverter qualquer dano que ela tenha sofrido. – explicou Lehvinia.
Mehldrik virou-se e viu seu irmão que tentava distrair o gorila, correndo para o lado oposto onde se encontravam. O Guardião então ergueu-se e correu na direção do monstro.
- Vohldrik, distraia ele o máximo que você puder! Esgote as forças dele para que eu possa atacá-lo somente uma vez e acabar com ele – gritou Mehldrik, enquanto corria na direção da batalha.
- Não será muito difícil! – respondeu Vohldrik, que depois da queda diante do primeiro ataque do gorila, estava agora mais atento e esperto, não deixando o imenso peludo o atingir novamente. Desferiu mais alguns golpes com sua montante, fazendo o monstro tombar de lado ferido dessa vez. Quando percebeu seu irmão aproximando-se, afastou-se e deu espaço para as investidas poderosas do Guardião Arcano.
Mehldrik começou a sentir sua energia arcana fluindo no braço em que empunhava sua katana, uma energia que precisava ser liberada de alguma forma. Aproximou-se do enorme monstro feroz, e imediatamente arrastou a ponta de sua katana no chão ao seu redor, criando uma espécie de círculo faíscante e luminoso que o envolveu semicircularmente da direira para esquerda. Sua força arcana se intesificou e pulsou com força dentro de seu íntimo, e Mehldrik soltou o golpe de baixo para cima, atingindo o enorme macaco peludo em cheio, mas este ainda conseguiu se projetar para frente, suportando o golpe, e mesmo ferido tentou acertar Mehldrik com seu enorme punho fechado com golpes que pareciam imensas marteladas perigosas que apenas acertaram o chão, rachando tudo ao redor. O jovem Guardião desviou-se das investidas do gorila, não hesitou e continuou com seu ataque, e dessa vez aplicou no monstro o golpe Tempestade da Destruição. Atacou implacavelmente o gorila, não dando a este qualquer chance de um contra-ataque. Sua katana parecia ter vida própria, desferindo contra o inimigo golpes incrivelmente rápidos e tão poderosos que acabavam gerando uma confluência de raios que atingiam mortalmente o monstro. Completamente ferido e com as forças esgotadas pelo ataque de Mehldrik, o imenso gorila permaneceu alguns segundos imóvel. Seus olhos, antes luminosos e flamejantes, agora estavam negros e apagados, e então finalmente o gigante peludo tombou morto para trás. Mehldrik havia parado de golpeá-lo, e afastou-se a tempo de ver o perigoso monstro cair como uma pedra enorme bem à sua frente.
Vohldrik aproximou-se do irmão, que agora demonstrava certo cansaço físico pela sequência de golpes desferidos utilizando-se de sua força arcana interior, e perguntou-se se ele estava bem. Mehldrik, com a respiração um pouco ofegante, olhou para o seu irmão guerreiro e apenas acenou com a cabeça em sinal afirmativo. Observaram silenciosos durante um certo tempo o imenso corpo do gorila morto caido na neve, e então voltaram caminhando para onde estavam Lehvinia e Hevelin, que já estava consciente, mas permanecendo sentada, queixando-se estar meio tonta ainda.
- Ela está bem, apenas tonta ainda pois o golpe foi muito forte – explicava Lehvinia, enquanto terminava de ministrar seu poder de cura regenerativa na duelista.
- Estou preocupado. – disse Mehldrik – Precisamos sair daqui o mais rápido possivel. Não sabemos o quanto essa batalha aqui possa ter atraido a atenção de gorilas próximos.
- Hevelin consegue se levantar? – perguntou Vohldrik
- Acho que consigo sim – respondeu a duelista, tentando ficar de pé – Estou melhor, graças a Lehvinia. Mas Mehldrik tem razão. Temos que sair daqui antes que outros gorilas apareçam.
- Igual àquele ali creio que não deva aparecer. Eu acreditava que esse gorila imenso não passasse de uma lenda criada por todos daqui da região. Nunca cheguei a ver um desses, até hoje... – Mehldrik novamente olhou para o local onde o monstro jazia morto – Por um momento cheguei a pensar que não conseguiria acabar com ele.
- Felizmente você conseguiu, mano – disse Vohldrik sorrindo, tentando animar o irmão – E estamos todos vivos, agora só precisamos nos apressar e chegar logo ao condado, pois não estamos muito longe.
- Só precisamos sair das montanhas e encontrar a estrada que leva até Tundra Infame. – disse Lehvinia.
- Não devemos estar muito distante – afirmou Mehldrik – Devemos continuar naquela direção, e em mais algumas horas de caminhada alcançaremos a estrada.
Passado mais alguns momentos, Hevelin confirmou a todos estar mais disposta. A tontura havia passado, e ela sentia-se revigorada novamente, após ser tratada com a cura regenerativa de Lehvinia. Olharam ao redor uma última vez, pois queriam ter certeza de que não seriam novamente pegos de surpresa por algum outro tipo de perigo iminente. Mehldrik observou por entre as árvores, e viu o ponto exato onde estavam conversando antes do momento em que o enorme gorila havia surgido. Então apontou a direção a ser seguida, chamando os demais para não perderem mais tempo parados ali.

domingo, 18 de abril de 2010

Capítulo XV

O dia parecia ter clareado naquele momento por sobre o Condado de Tundra Infame. A nevasca cessou, tempo abriu, e as nuvens se afastaram, abrindo espaço para as paisagens distantes se discortinarem no horizonte distante. Da janela de seu escritório no prédio do Comando Central das Forças Armadas de Tundra Infame, o Instrutor Oficial O’Conner apreciava os montanhas distantes que rodeavam todo o condado. Observava toda aquela paisagem pensativo, enquanto degustava uma xícara de chá quente. Atrás de si, sobre sua mesa, uma pilha de papéis indicavam que seu trabalho era realmente constante e interminável. Convocações de recrutas pendentes, processos de missões em aberto, liberação de cartões de teletransporte de uso exclusivo das forças militares. Tudo para ser analisado, revisto e liberado após sua assinatura. O’Conner virou-se e olhou a pilha de papéis diante de si, soltou um suspiro e voltou seu olhar para as montanhas ao longe. Degustou mais um gole de chá, enquanto imaginava como estaria o andamento das últimas missões as quais considerava as mais importantes até o momento. Os recrutas graduados que ele havia convocado tinham deixado Tundra Infame há alguns dias e desde então não tivera mais qualquer notícia ou retorno sobre os progressos feitos. Estava um pouco temeroso quanto ao desenrolar dos fatos, mas continuava com um olhar impassível em um rosto que não deixava transparecer qualquer sinal de um possível sentimento de insegurança quanto às suas decisões tomadas. Imerso em seus pensamentos, concentrava-se nas próximas ações que tomaria caso as missões falhassem, quando alguém bateu em sua porta. Era um jovem recruta trazendo notícias. Após bater leve continência, permaneceu próximo à porta.
- Oficial O’Conner, acabamos de ser informados que os recrutas graduados convocados pelo senhor para uma missão aqui no continente acabaram de retornar.
Ao ouvir essa notícia, O’Conner permaneceu imóvel, olhando pela janela. Sentiu certo alívio ao saber do retorno dos recrutas, apesar de não saber se a missão foi bem sucedida ou não.
- Eu agradeço a informação, meu jovem. Avise a eles que já estou a caminho para falar com ele. Conduza-os até a sala de reunião.
Assim que o jovem recruta deixou sua sala, ele virou-se e sentou em sua cadeira. Calmamente, revistou a pilha de papéis sobre a mesa, procurando o documento de uma missão em específico. Assim que achou, abriu a pasta e fez uma breve leitura de todos os procedimentos da missão, bem como dos recrutas graduados que haviam sido convocados. Era uma tarefa arriscada e difícil, e O’Conner sabia perfeitamente que poderia sofrer perdas caso os recrutas não tivessem êxito. Todos na região do condado estavam em perigo com aquelas hordas de zumbis se aproximando cada vez mais. Mais uma vez olhou atentamente para o documento da missão. Ali estavam os nomes dos dois recrutas graduados convocados. Eram Drakonyh, da região de Spine, e Amarantys, da região de Areshand, ambos no Continente de Pastur.
O’Conner levantou-se, ajeitou-se em seu fardão militar, deixou seu escritório e se dirigiu então para a Sala de reuniões um andar abaixo. Ao chegar à porta, um soldado que estava de prontidão à entrada bateu continência e deu passagem para o Instrutor. O ambiente tinha poucos móveis, uma mesa redonda ao centro com alguns assentos, e era bem iluminado pelas janelas altas. Ao perceberem a entrada de O’Conner no recinto, Drakonyh e Amarantys levantaram-se em sinal de respeito, mas não bateram continência. O Instrutor Comandante de Tundra Infame aproximou-se dos dois na expectativa de receber boas notícias sobre a missão. Não demorou em iniciar a conversa.
- Recruta Drakonyh, recruta Amarantys. Sejam bem vindos de volta. Confesso que fiquei apreensivo com o desfecho da missão que foi confiada a vocês dois, dado o grau de perigo da mesma.
- Comandante, informamos ao senhor que obtivemos êxito no objetivo da missão e conseguimos coletar a amostra de sangue. – disse Drakonyh num tom de voz formal. Logo em seguida, Amarantys estendeu a mão, mostrando o pequeno frasco transparente contendo um líquido vermelho viscoso, entregando-o para O’Conner.
- Não tivemos dificuldades em encontrá-los – comentou a jovem arqueira.
- Então as informações referente a localização da horda de zumbis de fato procedia? – perguntou o Comandante Instrutor.
- Exatamente – respondeu Amarantys – Nós os encontramos mais próximos dos limites das colônias da região, como informava os relatórios anteriores.
- As hordas que encontramos eram realmente muito numerosos em zumbis, senhor - disse Drakonyh – Isso confirma também a informação de que a população deles tem crescido vertiginosamente.
Enquanto ouvia as explicações dos dois, O’Conner pegou delicadamente o pequeno frasco transparente e o levantou diante de seu rosto, colocando-o contra a claridade que vinha das janelas. Olhou atentamente e de perto o líquido vermelho, que deixava levemente resplandecer uma sutil luminosidade.
- Senhor, durante nossa missão encontramos um outro grupo nas montanhas da região. Segundo nos relataram, eles estavam seguindo rastros de pessoas desaparecidas. – revelou Drakonyh.
O Instrutor Comandante esboçou uma leve expressão de surpresa em seu rosto, como se aquela informação dita pelo Espadachim o fizesse lembrar de algo importante relacionado a algumas outras missões das quais tinha conhecimento. Entretanto, não se aprofundou em questionamentos referentes àquele comentário feito por Drakonyh, pois sua atenção estava voltada para a missão bem sucedida daqueles recrutas graduados.
- Realizaram sua missão de forma extremamente competente – disse O’Conner de maneira contida – Agora enviaremos essa amostra coletada para nossa equipe de cientistas examinarem. E precisarei de um relatório completo de vocês sobre esta missão para o mais breve possível.
Dito isso, o Instrutor Comandante guardou o minúsculo frasco em um bolso de seu fardão e retirou-se da sala. Assim que O’Conner não estava mais presente, Drakonyh soltou um suspiro e cruzou os braços, mostrando um claro comportamento de descontentamento com relação ao último pedido do Comandante.
- Eu odeio essa parte burocrática – resmungou em voz baixa. – Deixo isso para você, Amarantys. – o Espadachim soltou um leve sorriso de canto de boca.
- Você, como sempre, fugindo das responsabilidades. – retrucou Amarantys.
- Não me interessa todas essas papeladas. O que importa pra mim é estar em campo, enfrentando desafios, colocando minhas habilidades em prática. Afinal, não aprendi tanta coisa pra ser desperdiçada assim, não é mesmo? – continuou sorrindo o Espadachim.
- Debochado como sempre. – respondeu Amarantys, enquanto se dirigia para a janela e observava os prédios de Tundra Infame e as montanhas que cercavam aquele condado. – E quanto ao pessoal que acompanhamos? Será que foi certo o que fizemos?
- Você se preocupa demais. Eles conseguirão chegar aqui no condado, todos são corajosos e determinados.
- Eu me preocupo porque tudo o que aconteceu estará em nosso relatório. Não podemos omitir os fatos, principalmente porque informamos o Comandante O’Conner a respeito. E se eles não conseguirem sobreviver? – explicou Amarantys.
- Então você acha que não foi uma boa idéia termos relatado esse encontro com o Comandante? – questionou Drakonyh.
- Não tenho certeza, mas se eles não conseguirem chegar no condado, o Exército vai investigar e nós estaremos no meio dessas investigações. E isso pode não ser bom para a gente.
Amarantys e Drakonyh se entreolharam por alguns segundos e parecem ter chegado às mesmas conclusões. Ambos tinham suas ambições pessoais de carreiras promissoras dentro das Forças Armadas e aquele fato em especial poderia ser uma mancha em seus currículos.
- Deveríamos ter ficado com eles e seguido todos juntos. – balbuciou Amarantys. – Acho que nossa decisão foi errada. E agora temos que torcer para que eles consigam chegar aqui em segurança. – A arqueira permaneceu olhando pela janela durante algum tempo para as montanhas no horizonte, aquelas mesmas montanhas onde agora caminhavam Mehldrik, Hevelin, Vohldrik e Lehvinia, tentando transpor todos os obstáculos para chegarem o mais rápido possível ao condado de Tundra Infame.
Os quatro caminhavam com dificuldade pela neve espessa que cobria os caminhos entre as montanhas altas. O tempo havia melhorado um pouco, mas não o suficiente para facilitar a locomoção por aquelas estradas. O jovem guerreiro caminhava ao lado do irmão e o questionou sobre a decisão tomada por Mehldrik sobre a utilização das pedras guia.
- Tem certeza de que era aquilo mesmo que deveria ser feito? Entregar as duas pedras para aquele Espadachim e aquela Arqueira?
- Eles estavam em uma missão importante e tiveram êxito. Coletaram um material valioso para pesquisa e precisavam voltar logo para o condado. – explicava Mehldrik – Considero justo, já que não tivemos a mesma sorte com nossas missões. Eu precisava resgatar e levar Skaild em segurança de volta ao condado e falhei. Você e Lehvinia não conseguiram encontrar Kashu.
- Mas temos informações importantes – respondeu Vohldrik – Você e Hevelin confirmaram o local do esconderijo da Guild dos Ladrões e as Forças Armadas de Tundra Infame poderão agir e prender todos os que ficaram soterrados e presos naquela mina.
- Não acho isso suficiente. Skaild tinha informações realmente importantes que podem esclarecer os desaparecimentos em toda Nevareth, e deixamos ele escapar.
- Seu irmão não precisa ficar se culpando pelo que aconteceu. – disse Lehvinia, que acompanhava os irmãos de perto e escutou a conversa deles. – O esforço dele foi recompensado com as informações que conseguimos, como a confirmações do esconderijo, e o resgate de Skaild. Sem a determinação e a coragem dele e de Hevelin, acredito que Skaild estaria preso até agora e sob risco de morrer nas mãos dos ladrões.
- Eu discordo – retrucou Helevin, que caminhava um pouco mais distante – Tinhamos missões a cumprir, e não conseguimos cumprir nossos objetivos. Em parte eu entendo o que Mehldrik quer dizer.
Mehldrik parou de caminhar, parecendo sentir-se incomodado com aquela conversa toda. Todos pararam um pouco surpresos, sem saber o motivo daquela atitude do jovem Guardião. Ele então decidiu dar um ponto final naquele assunto. Virou-se para os outros com o intuito de esclarecer possíveis dúvidas referentes às decisões tomadas por ele, principalmente no que dizia respeito sobre ter dado as duas pedra guias para Drakonyh e Amarantys.
- Entendam de uma vez por todas. Nós não conseguimos concluir nossas missões, diferente de Drakonyh e Amarantys. Eles tinham um material importante em mãos que deveria chegar o mais rápido possível ao Condado. Nós falhamos em missões que nos foram confiadas por pessoas importantes em Nevareth.
- Mas conseguimos informações importantes – disse Lehvinia.
- Skaild era mais importante do que todas essas informações que temos agora. Ele sabe de muita coisa que não sabemos... – havia algo de tenso na voz de Mehldrik, e sua última frase foi seguida por um silêncio enigmático, como se cada um ali estivesse procurando entender o posicionamento e o pensamento do outro sobre o assunto. Mas o tempo foi passando, e aqueles segundos de silêncio se tornaram mais enigmáticos ainda. Todos se entreolharam confusos, pois eles pareciam não estar mais pensando sobre o assunto, mas sim, tentando decifrar um barulho meio rouco e abafado que parecia distante, mas que crescia gradativamente. Parecia um rugido, e estava ali próximo.
- Acho melhor a gente discutir isso depois. – disse Vohldrik, enquanto olhava fixo para algo enorme que surgiu em um barranco logo acima deles.
Todos seguiram o olhar fixo de Vohldrik e olharam para trás. Eles não podiam acreditar no que estava diante deles.