domingo, 26 de julho de 2009

Capitulo XIV

Sem perder tempo, todos seguiram caminho pelo lago congelado. A neve que caía escondia a grossa camada de gelo de pouco mais de 15 centímetros que se estendia sob seus pés e seguia em direção até onde a vista alcançava. E no momento, ninguém conseguia enxergar mais do que 100 metros à frente, por culpa daquela nevasca que desenhava todo o clima daquela região de Tundra Infame. Temendo que alguém acabasse se perdendo naquela imensidão branca e gelada, Mehldrik orientou a todos que permanecessem juntos, andando em grupo. A nevasca tornou-se mais constante e forte, com rajadas de ventos que dificultavam a movimentação pela neve espessa. Todos procuraram se proteger daquele clima extremamente frio agasalhando-se da melhor maneira que podiam, usando suas mantas com capuz e luvas grossas feitas com pele de lincorne pelos melhores artesãos das regiões de Tundra Infame. Ocasionalmente, durante aquela jornada perigosa pelo lago congelado, podiam ouvir ao longe uivos tenebrosos de lobos zumbis, andando em matilhas desesperadas à procura de comida.
Estavam andando há algumas horas, quando Vohldrik avistou ali próximo algo se mexendo por debaixo da neve, em um pequeno monte formado ali.
- Pessoal, tem alguma coisa se mexendo ali. – disse o jovem guerreiro, apontando à sua esquerda.
- Espere, Vohldrik, fique aí. – alertou Mehldrik – Não sabemos o que pode ser. Fiquem aqui. – O Guardião Arcano caminhou em direção ao local vagarosamente, apenas empunhando sua katana.
Havia algo ali realmente, e se mexia sem parar. Era um solitário e inquieto lebrecorne, que remexia sem parar a neve, lançando-a com suas minúsculas patas para todos os lados. O pequenino animal, cujo pêlo branco era uma ótima camuflagem contra os predadores, repentinamente parou, como que sentindo cheiro de perigo próximo dele, levantando suas enormes e pontudas orelhas, tentando captar algum tipo de som que denunciasse a presença de um possível inimigo. Coçou o nariz, e congelou o olhar na direção de Mehldrik e dos outros que estavam ali perto. O lebrecorne permaneceu parado, a princípio paralisado de medo, mas não demorou muito para ele sair pulando em disparada e desaparecer na imensidão de neve.
- Era apenas um lebrecorne – disse Mehldrik, sem se virar. Ainda estava olhando atentamente aquele monte ali perto dele. Havia algo mais ali, e talvez o pequeno animal estivesse remexendo aquele monte à procura de comida ou algo que tenha atraído sua atenção. Aproximou-se com certa cautela, para enxergar melhor o que seria aquilo caído e quase coberto pela neve.
- Vamos embora então. É melhor não perder mais tempo. – disse Drakonyh contrariado. – Não suporto mais ver tanta neve. Até meus pensamentos congelaram.
- Não sou muito de concordar com qualquer um, mas Drakonyh tem razão. – opinou Hevelin – Não podemos perder mais tempo.
- Agradeço que tenha concordado comigo, minha amiga – o espadachim soltou um leve sorriso – Apesar de não me dar bem com a maioria dos duelistas que conheço, você tem uma personalidade com a qual simpatizei.
- Não se preocupe – respondeu a duelista, de cara fechada – Concordei contigo apenas porque você disse uma verdade, e não para agradar você. Também não sou de muita amizade com espadachins arcanos.
Drakonyh sentiu-se desarmado com a resposta, mas continuou sorrindo, meio sem graça. Estava quase chegando à conclusão de que não tinha mesmo sorte com qualquer tipo de amizade com duelistas.
- É... pelo menos valeu a tentativa. – disse o espadachim, dando de ombros, ainda sorrindo sem graça.
- Pessoal, esperem um pouco. – interrompeu Mehldrik, com uma voz um pouco tensa. – Acho que encontrei algo aqui.
- O que você encontrou? – perguntou Lehvinia, com ar de extrema curiosidade.
- Não sei ainda, mas acredito que não seja algo bom.
Mehldrik aproximou-se mais, e ajoelhou-se sobre aquele pequeno monte. O lebrecorne havia espalhado um pouco da neve ao redor. O guardião arcano decidiu tirar mais um pouco da neve, afastando com as mãos, e à medida que foi limpando o local, revelou-se diante dele o corpo inerte e congelado de uma pessoa.
- É um corpo. – disse Mehldrik, sem rodeios.
- O que? – assustou-se Lehvinia – Um corpo? Como assim um corpo?
- Está morto? – questionou Amarantys rapidamente.
- Sim. – respondeu Mehldrik, depois de analisar a pulsação. – Pelas vestimentas, acredito que era um comerciante errante.
- Será que foi atacado por algum animal? Gorilas, pantrocornes? – indagou Vohldrik.
- Não, pois não tem marcas de feridas. Suas roupas não estão rasgadas, e nem existe rastro de sangue ao redor dele. – Mehldrik foi escavando ao redor daquele corpo, enquanto investigava mais sobre a possível causa da sua morte. – Provavelmente deve ter morrido por causa do frio excessivo. Mas tem algo de estranho aqui.
- O que mais de estranho pode haver em se morar num lugar onde você pode morrer de frio? – retrucou Drakonyh. – Não entendo como as pessoas podem morar num lugar como esse.
- Não sei explicar direito. – disse Mehldrik, enquanto olhava intrigado para o rosto daquele comerciante morto. A expressão congelada deixada por aquele pobre coitado antes de morrer era de puro pavor, como se tivesse visto algo horrendo, maligno. – O olhar dele congelado, é como se ele tivesse visto a morte em pessoa.
Mehldrik revirou os bolsos do casaco e o bornal de couro que estava preso pela alça ao corpo do comerciante. Entre cadernetas de anotações, mapas da região, um pequeno aparelho antigo de GPS e amostras de peles de diversos animais catalogados em pequenos frascos, o jovem guardião encontrou um saquinho de veludo cor de vinho. Dentro dele havia duas pequenas pedras de quartzo de cor dourada opaca, lapidadas com faces hexagonais. Eram duas pedras guia. Elas eram feitas com o quartzo dourado, um tipo de mineral encontrado nas profundezas de algumas das minas daquela região e que tinha um tipo de poder bastante incomum e que foi descoberto pelos alquimistas que tentaram utilizá-la pela primeira vez para outras finalidades. Aquele quartzo tinha o poder de teleportar as pessoas para locais e lugares onde houvesse maior concentração do mesmo mineral. Por causa disso, muitos dos maiores condados de Nevareth ergueram, em suas praças principais, diversas estátuas e monumentos feitos de quartzo dourado, com o propósito de concentrar o poder de teleporte liberado pelas pedras guia para quem as utilizasse. Inicialmente, esse tipo de teleporte passou a ser utilizado por comerciantes, viajantes errantes, mensageiros e diversos membros dos Conselhos de Oficiais dos condados mais importantes. O seu uso era simples, bastava segurar a pequena na mão fechada, imaginar o local para onde quisesse ir e dizer apenas “Retornar”. Cada pedra podia ser utilizada apenas uma vez, e após seu uso, desaparecia por completo.
- Encontrei um pequeno aparelho de GPS, mas parece quebrado. – Mehldrik tentou fazê-lo funcionar, mas sem sucesso. O portátil aparelho tinha rachaduras no monitor e estava inutilizado completamente. – Ele poderia nos ser muito útil se funcionasse. Em compensação, encontrei duas pedras guias.
Após dizer isso, um estranho assobio soturno pairou no ar, deixando todos em estado de alerta. O assobio cresceu assustadoramente e se transformou em gritos agudos de pavor. Mehldrik, ainda ajoelhado ao lado do corpo inerte, olhou para o lado e viu um vulto negro descendo rapidamente dos céus numa espiral de fumaça negra vindo em sua direção.
- Protejam-se! – gritou para os outros, antes de cair de costas contra a neve. Rapidamente pegou seu escudo astral, ativando-o a tempo de rebater aquela espiral de fumaça que vinha ao seu encontro, lançando-a de volta para o ar.
Imediatamente, todos se jogaram no chão, tentando proteger-se daquelas ameaças que agora voavam sobre suas cabeças perigosamente. Eram diversas sombras mortais, espectros de espíritos malignos que tinham como único objetivo sugar as almas de pessoas vivas.
- Mas o que diabos é isso agora? – gritou Drakonyh, que após se jogar assustado ao chão, ajoelhou-se para tentar enxergar o que era aquilo que os estavam atacando. Balançava as mãos de maneira nervosa, como se estivesse tentando afastar moscas perturbadas de sua cabeça. – Já não bastavam zumbis horríveis e gorilas branquelos, e agora me aparecem fumaças assassinas?
- O que são essas coisas voando sobre a gente? – perguntou Amarantys, um pouco assustada.
- São sombras mortais. – respondeu Vohldrik. – Espíritos errantes. Eu nunca tinha visto um, mas sempre ouvia meu pai contando histórias horríveis sobre esses sugadores de almas.
- Temos que afastá-los daqui. – disse Hevelin. – Eu tenho quase certeza de que aquele pobre coitado ali foi morto por essas coisas.
- Permaneçam abaixados. – continuou alertando Mehldrik. – Vamos armar um ataque para afastá-los daqui.
Lehvinia estava jogada ao chão em meio aos outros, mas contrariando o pedido de Mehldrik, repentinamente ela sentiu sua Força Arcana pulsar firme dentro de si, o que a fez levantar-se ágil. Todos olharam espantados para a jovem maga, que tirou as luvas de suas mãos, colocou as orbes e com apenas um gesto determinante com a mão direita, liberou o poder de sua força espiritual em uma aura iluminada e vibrante em ventos que a rodeavam por completo e que podiam ser vista por todos.
- É isso mesmo o que estou vendo? – indagou Amarantys, meio confusa. – Ela liberou a própria aura?
- Pode ter certeza que sim. – respondeu Drakonyh, com um sorriso de canto de lábio. – Agora vai ficar realmente excitante isso aqui. – Amarantys encarou o espadachim com ar de espanto, mas sua atenção logo se voltou para Lehvinia, envolvida naquela aura luminosa e envolvida pela força espiritual do elemento Vento. As maléficas Sombras Mortais começaram a rodopiar rapidamente no ar ao seu redor, girando em perigosas espirais de fumaça negra. Momentaneamente, elevaram-se um pouco mais nas alturas, para logo em seguida descer com toda força e fúria sobre a Maga possuída em Aura liberta. Lehvinia então começou a concentrar a sua energia astral em diversos elementos, entre, água, fogo, terra e ar, que surgiam ao seu redor, concentrando-se em suas mãos equipadas com as orbes. Ela, então, iniciou o ataque contra aquelas sombras, lançando em sua direção sequências controladas de canhões de gelo, fogo e terra, ora com uma mão, ora utilizando as duas para potencializar mais o poder de ataque. Com sua Aura liberta, Lehvinia podia sentir sua força arcana fluir com mais vigor e intensidade, liberando momentaneamente seu poder de forma incomum. Os canhões foram acertando em cheio aqueles malignos seres, ricocheteando alguns para bem longe e praticamente pulverizando outros mais fracos em pleno ar, até não sobrar qualquer vestígio. Duas daquelas sombras mortais recuaram e partiram pra cima de Mehldrik, que preparava-se para soltar, com seu escudo astral, canhões na direção dos mesmos. Porém, Lehvinia foi muito mais rápida e soltou dois canhões de gelo e fogo, fazendo as perigosas criaturas sumirem no ar acima do Guardião Arcano caído na neve. Mais alguns momentos e mais canhões, até que todas as Sombras Mortais desapareceram, deixando apenas leves cinzas pairando no ar, em meio à neve que caía. Logo após acabar com a ameaça que rondava a ela e seus amigos, Lehvinia sentiu o poder de sua Aura iluminada esvair-se mansa e sutilmente. Respirou profundamente e fechou os olhos por um momento, buscando um breve relaxamento após a liberação intensa de sua força arcana. Era o tempo exato de seus batimentos cardíacos voltarem à pulsação normal. Demorou alguns segundos até que todos tivessem certeza de que podiam se levantar sem perigo de qualquer outro ataque iminente. Amarantys aproximou-se de Lehvinia, tocando em seu ombro.
- Você está bem? – perguntou a Arqueira Arcana.
- Sim. – respondeu a Maga com um sorriso singelo e um olhar de agradecimento pela preocupação de Amarantys. – Estou apenas um pouco tonta, mas é uma sensação normal.
- Fiquei muito admirada pela sua atitude. Você foi muito corajosa na decisão que tomou. – continuou Amarantys.
- Garota, você foi sensacional! – bradou Drakonyh, empolgado com a cena que tinha acabado de presenciar. Demonstrava certa excitação por toda situação que acontecera ali, enquanto caminhava em direção de Lehvinia e segurava sua mão. – Você tem estilo, e a maneira como você encarou o perigo! Eu gosto disso!
- Quanta empolgação desnecessária... – sussurrou Hevelin, no momento em que Mehldrik passava ao seu lado, que ouviu aquele comentário que a duelista claramente dirigia a Drakonyh. Ela parecia um tanto incomodada com aquela atitude meio espalhafatosa do espadachim, que não parava de elogiar Lehvinia, que também recebeu palavras de agradecimento do Guardião Arcano.
Vohldrik, que durante o ataque das Sombras Mortais, manteve-se agachado, mas segurando sua montante em posição de possível ataque, aproximou-se da Maga, fincando com cuidado sua enorme arma em um pequeno monte de neve formado ali. Sorrindo, estendeu a mão para Lehvinia em sinal de agradecimento. Não disse uma palavra sequer a ela, apenas continuou sorrindo, enquanto apertavam as mãos. A Maga retribuiu o gesto, lançando também um sorriso para o jovem guerreiro. Permaneceram os dois naquele breve momento de gratidão até que a voz um pouco tensa de Mehldrik os trouxe de volta para a perigosa realidade que os cercava naquele momento.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Capitulo XIII

Mehldrik caminhava sozinho em meio à floresta coberta de gelo e dominada por aquele clima frio. Tentava se aquecer esfregando as mãos uma contra a outra, enquanto olhava ao redor com uma expressão confusa e desnorteada. Não fazia idéia de onde estava, e nem imaginava onde estavam todos os outros. Seu irmão Vohldrik, Hevelin, Lehvinia, todos haviam sumido, e ele não sabia do paradeiro deles. Andava olhando para os lados um pouco assustado com essa situação, tentando se lembrar onde e quando se perdeu, mas sua mente parecia entorpecida por um esquecimento repentino e estranho. A escuridão da noite foi dando lugar a um amanhecer manso e gélido. Nevava sutilmente quando ele avistou ao longe, entre as árvores, uma cabana, que lhe pareceu familiar. Era a cabana de seus pais, onde ele havia passado os melhores anos de sua infância. Uma sensação de nostalgia o dominou completamente, misturado a um sentimento de esperança, que inundou ainda mais seu espírito quando ele ouviu vozes ao longe, que pareciam vir da cabana. Seriam seus pais que haviam retornado enfim e estariam esperando pelos seus filhos? As vozes eram alegres, pareciam conversar animadamente, soltando risadas gostosas. Mehldrik parou por um instante, olhando para os lados. Soltou um sorriso, como se não acreditando em toda aquela situação. A cabana ainda estava um pouco distante, e a neve que caía dificultava um pouco a visão, mas ele conseguia enxergar pessoas na frente da cabana, conversando, rindo.
Começou a correr em direção à cabana. Não conseguia conter sua ansiedade em reencontrar seus pais. Mehldrik esperava por esse dia há muito tempo. As vozes ficavam mais próximas, e sua ansiedade só aumentava. A voz de seu irmão Vohldrik tornou-se clara, e então Mehldrik correu mais rápido ainda. Um arrebatamento alegre tomava conta de todo seu espírito, enquanto vencia toda aquela neve e corria por entre as árvores. Nada o impediria de reencontrar seu irmão e seus pais. Seu irmão gritava seu nome. Entretanto, Mehldrik percebeu algo estranho. Por mais que corresse em direção à cabana, não conseguia chegar. Seus passos começaram a ficar pesados, e suas pernas pareciam afundar mais e mais naquela neve toda. Seu irmão continuava gritando seu nome e acenava. Quando parecia se aproximar um pouco, então conseguiu visualizar um pouco mais a cena à sua frente, e o que viu foi tão atordoante que cessou seus passos de maneira instantânea. Seus pais e seu irmão não estavam conversando alegremente, mas pedindo ajuda desesperados, tentando se defender de gorilas brancos enfurecidos. Seu irmão continuava gritando, chamando seu nome insistentemente, enquanto Mehldrik, atônito, sentiu um desespero tomar conta de si. Tudo ao seu redor começou a se dissipar de maneira alucinante, como que levada por sopros gelados de uma nevasca repentina e violenta, girando sem parar. Já não enxergava mais nada, e só conseguia ouvir a voz de Vohldrik gritando seu nome sem parar.
Foi justamente nesse exato momento, onde realidade e sonho se confundem insistentemente, que Mehldrik acordou assustado, olhos arregalados, coração disparado, sendo pego de surpresa numa situação de alto risco. A angústia gerada pelo pesadelo agora foi substituída pela gravidade de perigo da realidade ao seu redor. Ao seu lado, a pequena fogueira que havia acendido na noite anterior já havia se consumido completamente, restando apenas cinzas. Todos haviam se levantado também assustados, correndo para a entrada da gruta. Ali próximo estava Vohldrik, cercado por um bando de gorilas brancos. Girando sua enorme montante em espirais rápidas, ele tentava se defender dos animais enfurecidos, enquanto gritava o nome de Mehldrik e dos demais, alertando-os para o perigo que havia se aproximado enquanto eles ainda dormiam.
- Temos que sair daqui rápido! – gritava o jovem guerreiro, de maneira ofegante – Eles são muitos, e estão vindo mais descendo aquela colina!
A visão era realmente bastante aterrorizante. Vários grupos de gorilas brancos desciam pelas encostas, pulando por sobre pedras, e se pendurando pelos galhos das árvores. Alguns, mais ágeis, davam saltos incríveis, de uma árvore para outra. Sem demora, Amarantys pulou sobre uma pedra, dando um salto acrobático para mais próximo de onde estava Vohldrik, ao mesmo tempo em que invocava seu arco astral, descarregando com extrema rapidez vários disparos de flechas das sombras contra os gorilas que se aproximavam enraivecidos.
- Corram enquanto tento retardá-los um pouco! – Amarantys fez um sinal apontando à sua direita, onde havia uma trilha descendo logo após a gruta. Todos seguiram a orientação da arqueira e correram para o local indicado, menos Drakonyh, que com passos largos foi em direção de onde estava a arqueira. – O que você faz aqui, seu louco?
- Você acha que eu iria perder essa oportunidade? – disse o espadachim, soltando um sorriso, antes de correr na direção dos gorilas. – Isso aqui vai ser muito divertido!
Enquanto Amarantys continuava disparando de maneira frenética suas flechas sombrias, Drakonyh saiu em disparada, e com movimentos rápidos chegou o mais próximo que podia da horda de gorilas. Empunhando sua espada de lado, Drakonyh parou e olhou fixamente para o primeiro grupo de monstros bem à sua frente. As pupilas de seus olhos sutilmente desapareceram por detrás de retinas prateadas, enquanto ele levantava sua mão esquerda, centralizando seu poder astral no cristal que estava preso a ela. Como que em transe, Drakonyh canalizou toda sua energia em seu pulso, lançando-a como um pó maligno e letal contra os gorilas, enfraquecendo o máximo que podia os seus movimentos. Ele havia fragilizado toda a defesa dos perigosos animais, que sentiram todas as suas forças e agilidades serem substituídas momentaneamente por uma sensação profunda de torpor.
- Aproveite ao máximo, Amarantys! – gritou Drakonyh – Eu enfraqueci os dois grupos da esquerda. Dispare contra eles enquanto eu cuido dos que estão à direita.
Amarantys concordou, e então mirou seu arco na direção dos gorilas entorpecidos, disparando várias flechas astralmente envenenadas. Enquanto lançava os projéteis venenosos, uma névoa verde oriunda do veneno se formava ao redor da arqueira, envolvendo-a momentaneamente, até dissipar-se completamente no vácuo das flechas lançadas. Do outro lado, Drakonyh, ainda em transe, continuava enfraquecendo os monstros em seu redor, e utilizando a técnica da dança da ruína, saltando habilmente em cima dos gorilas, atacando com extrema força com sua espada. Todos os monstros enfurecidos ao seu redor foram caindo diante de sua luta determinada. Por todo lado apenas ouvia-se rugidos ferozes dos gorilas. Assim que o último peludo branco caiu diante de seus pés, e passado o estado momentâneo de êxtase, Drakonyh virou-se e estreitou seu olhar para a colina acima, enxergando dezenas de gorilas descendo pela montanha. Eram muitos, pulando pelas árvores, correndo alucinados para cima do espadachim arcano. Amarantys percebeu a gravidade da situação ao avistar Drakonyh, e soltou algumas flechas envenenadas na direção dos gorilas que corriam para cima dele.
- Drakonyh! Vamos embora! Já não podemos dar conta de todos! – gritou a arqueira, um pouco nervosa.
- Justo agora que estava começando a ficar excitante? – retrucou o espadachim com um expressão visivelmente contrariada.
- Pare de falar besteiras e corra!
Os dois seguiram em disparada para a trilha indicada pela arqueira e na qual os demais já haviam seguido minutos antes.
- Eu já te disse que você realmente não sabe como aproveitar a vida? – perguntou Drakonyh visivelmente chateado. – Podíamos dar conta de todos aqueles gorilas num piscar de olhos.
- E eu já te disse que você é um maluco perturbado? – revidou Amarantys, enquanto corria por entre as árvores, buscando pegar a estreita trilha que seguia por entre um vão nas rochas.
- Admita, depois que nos conhecemos, sua vida ficou mais cheia de desafios. Sinta só o perigo às nossas costas! – Drakonyh soltava urros de alegria, enquanto sorria descaradamente para Amarantys, que algumas vezes chegava mesmo a considerar a possibilidade de que aquele espadachim arcano que conhecera há algum tempo atrás era um louco que sentia prazer em desafiar perigos acima de seu próprio limite humano.
Chegaram à trilha estreita e passaram por ela. Atrás deles, os gorilas se amontoavam numa corrida desembestada em busca de suas vítimas, correndo e pulando uns sobre os outros, urrando sem parar. A trilha que pegaram se afinulava numa passagem única por entre rochas escuras, sem qualquer outro retorno visível. Não demorou muito, e o caminho estreito terminou abruptamente, dando lugar a um pequeno desfiladeiro coberto de neve. Desceram pela encosta, e no meio do caminho já podiam avistar Mehldrik, Vohldrik, Hevelin e Lehvinia, todos parados à beira de um lago congelado. Não demorou muito e já estavam todos reunidos novamente.
- Por um momento, pensamos que vocês não haviam escapado dos gorilas. – disse Lehvinia com expressão preocupada.
- Conseguimos retardar um pouco eles, mas são muitos, e ainda devem estar atrás de gente. – explicou Amarantys.
- São muitos, mas poderíamos ter dado conta da maioria, se não tivéssemos fugido. – a leve firmeza nas palavras de Drakonyh fez todos olharem para ele com um confuso ar de espanto. Ele percebeu os olhares e desconversou no mesmo instante. – Bom, fugimos, mas pelo menos derrubamos uma boa quantidade daqueles monstros peludos e branquelos. – disse, sorrindo sutilmente.
- Agora temos que nos preocupar em como sairemos daqui. – disse Mehldrik, preocupado. – Não podemos voltar pelo caminho por onde viemos por causa dos gorilas, e estamos diante de um lago congelado.
- Essa nevasca não deixa a gente ver o outro lado do lago. – Vohldrik olhava insistentemente para além do lago, tentando enxergar alguma paisagem que pudesse definir a outra margem do lago.
- Não podemos ficar parados aqui muito tempo. O tempo está piorando e ficarmos conversando aqui não vai resolver nada. – Hevelin estava visivelmente chateada com a situação na qual se encontravam no momento. A gente errou no caminho que tomamos ao fugirmos. Podíamos ter sido mais precisos e menos precipitados sobre o que devíamos ter feito na hora.
- Peço desculpas, Hevelin, mas eu não conheço muito bem a região, e quando apontei uma opção de fuga, eu dei a primeira saída que visualizei para todos. Não me interprete mal, mas não tenho culpa se viemos parar em cima de um lago congelado.
Amarantys tentava se explicar, pois tinha a impressão de que aquelas palavras de Hevelin pareciam ser direcionadas a ela, afinal de contas, foi a própria Amarantys quem indicou um caminho para a fuga. Mehldrik pediu um pouco mais de calma a todos, e olhou ao redor. Avaliou a situação a partir exatamente do ponto onde estavam. Atrás deles havia o desfiladeiro coberto de neve por onde desceram, e lá em cima, a trilha estreita entre as rochas, por onde haviam escapado. Voltar por ali era improvável, e permanecer naquela beirada íngreme era perigoso. Mehldrik percebeu que havia descido por uma parte acidentada de uma pequena montanha, e seria muito trabalhoso tentar escalar aquelas rochas. Constatou que a única saída seria realmente atravessar o lago congelado.
- Pessoal, nossa única alternativa realmente é seguir em frente, atravessando o lago. Não podemos mais ficar parados aqui. Parece que a nevasca está piorando.
- Então temos que nos apressar. – disse Vohldrik. – Posso estar errado, mas acho que ouvi os urros dos gorilas agora há pouco.
Todos fizeram silêncio, e apesar do som incessante dos ventos frios, possíveis prenúncios da nevasca que estava por vir, dava para ouvir um som em princípio tímido, mas que parecia aproximar-se cada vez mais. Os gorilas estavam se aproximando de fato.